Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
Não possui fins lucrativos, seu objetivo é disseminar o conhecimento com qualidade acadêmica e rigor científico, mas linguagem acessível.


Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Gastronomia e cultura gastronômica.


Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 5, Volume dez., Série 12/12, 2014, p.01-12.



Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Doutor em história social - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.

Licenciado em história - CEUCLAR.
Licenciado em filosofia - FE/USP.
Bacharel em filosofia - FFLCH/USP.

 

Contemporaneamente existe uma popularização da gastronomia, com programas de TV voltados para a área, reality shows e cursos para leigos aficionados pelo comer bem.
No entanto, especialmente no Brasil, este segmento carece de embasamento teórico mais apurado, sendo escasso o material acadêmico voltado às concepções e conceitos inerentes a terminologia e resgate da memória da cultura gastronômica.
Partindo de pressuposto, seria necessário, em primeiro lugar, entender o que é gastronomia e, depois, como a cultura gastronômica se constituiu e está configurada.

 

Antecedentes em torno do banquete grego.
A gastronomia nasce e inicia sua trajetória somente depois que a humanidade começou a viver com opulência, quando surge um excedente e trocas comerciais que permitiram intercambiar ingredientes e cultura.
Neste sentido, na antiguidade, o conceito de gastronomia apareceu antes do termo, nas cortes dos grandes impérios Orientais; porém é institucionalizada no âmbito da cultura grega.
Antes da gastronomia, os gregos antigos fundaram a gastrosofia, termo que juntou a palavra gaster (significando ventre ou estomago) com sofia (conhecimento, sabedoria), como em filosofia.
A gastrosofia possuía um carácter sagrado, sendo celebrada por um sacerdote do paladar, o gastrófogo, responsável pelo preparo do alimento e os ritos de consumo.

 Para o grego, o banquete estava no centro da vida social e política, tornando o ato de se alimentar uma ação carregada de significados que estendiam do profano ao sagrado.

Era o espaço do estabelecimento ou estreitamento das relações sociais, onde além de confraternizar, o corpo era alimentado junto com o espirito.

É interessante lembrar que somente os homens participavam do banquete, uma vez que as mulheres estavam margem da sociedade, inferiorizadas por sua condição e estética feminina e relegadas à função de procriadoras e mães.
Portanto, neste ambiente predominante masculino, onde a hierarquia social era quebrada, deixando de existir divisões estamentais; as pessoas se reuniam para saciar os sentidos pelo paladar, olfato, visão, tato e audição.
Isto porque não apenas se degustava o sabor e sentia-se o cheiro dos pratos oferecidos aos convidados, mas a estética possuía um significado simbólico que ultrapassava a função de atrair pela apresentação.
O tato era utilizado para efetivamente pegar o alimento, pois não se utilizava ainda talheres, comendo-se com as mãos.
A audição era alimentada pelo som de música e poesia, além de representações teatrais e espetáculos de acrobacia e dança, oferecidos para complementar a refeição e enaltecer todos os sentidos simultaneamente.
Este deleite em torno da comida regada a vinho, envolvendo o banquete, era acompanhado por um refinamento que foi sendo gradativamente ampliado, adentrando a racionalização propiciada pelo surgimento da filosofia, ainda antes da invenção da escrita entre os gregos.
Momento em que o banquete foi assumindo uma função simultaneamente política, servindo para igualar os envolvidos, que partilhavam valores, dividindo o poder na pólis.
Um ato religioso que se transformou em representação cívica, expressando a cidadania, assumindo uma conotação cívica.
Pertencente à tradição oral, a gastrosofia tornou-se gastrologia, logia no sentido de ciência, conhecimento racionalizado, visto que ainda não existia um conhecimento propriamente cientifico.
A preparação do banquete exigia especialistas que dominassem os segredos das técnicas de preparo dos alimentos, da harmonização de ingredientes, cunhando o termo gastrólogo, uma figura que hoje chamamos cozinheiro, quiçá chefe de cozinha.
Um indivíduo capaz de preparar o banquete para os convivas, a despeito de raramente participar dele, possuído conhecimentos racionalizados da techné, que para os gregos era a soma do que atualmente chamamos técnica com a arte.
Este artista da culinária muitas vezes era um escravo, altamente valorizado no mercado como mão-de-obra disputada; importado, em alguns casos, de terras distantes, trazendo consigo novos sabores de uma cultura exótica.
Gastrófogo e gastrólogo harmonizavam o banquete, conduzindo os convidados por uma experiência única, onde, após a refeição e intensos debates filosóficos, o ritual dionisíaco encerrava o cerimonial, possibilitando conhecer a essência do outro.
Rito em homenagem ao deus Dionísio, que os romanos transformariam em Boco, convertendo a nomenclatura do ritual em bacanal.

 

Origem e popularização do termo gastronomia.


O criador da palavra gastronomia foi um general grego, chamado Arquestrato de Gela, famoso por oferecer grandes e inesquecíveis banquetes aos seus convidados e que viveu na mesma época do filosofo Aristóteles.


Ele percorreu a Grécia na antiguidade, sendo também um notório viajante, buscando inicialmente variedades de videiras para produzir vinhos, mas, depois, também novos ingredientes para alimentos que pudessem acompanhar a bebida.

Avaliando e comentando pratos do repertório alimentar grego, no século IV a.C, utilizou-se de um poema para escrever a “Hedypatheia”, cuja tradução é vida de luxo; obra que na época ficou conhecida como “O mundo dos prazeres”, posteriormente nomeada como “Gastronomia de Arquestrato”.
No poema, pela primeira vez surgiu a palavra gastronomia, criando uma tradição culinária vinculada com a erudição e o saber formalizado pela escrita.
O que faz do poema de Arquestrato, oficialmente, o primeiro livro sobre gastronomia.
Etimologicamente, o termo é uma junção de duas palavras: gaster, amplamente utilizado antes do general, denotando palavras pelas quais os gregos já chamavam a arte culinária; somada com nomia, no sentido de norma, lei; representando o estudo da lei do estomago.
No entanto, devemos observar que palavra nomia decorre de némo, significando governar; e esta de nómos, incorporada ao grego a partir do egípcio, cujo significado original era repartir, parte, porção.
No Egito antigo, os nomos eram pequenas unidades político-administrativas que originaram os nomarcas, reis locais depois submetidos ao poder centralizador do faraó; um conceito que foi incorporado pelos gregos e relacionado com os genos, uma organização política familiar.
Assim, ao criar a palavra gastronomia, foi simbolizado um novo segmento do conhecimento humano baseado não só no entendimento das leis da alimentação, mas também no governo, na condução daqueles que desfrutam do prazer de comer, envolvendo uma ampla gama de porções para compor o todo do deleite.

Neste sentido, Arquetrato foi o que chamamos hoje de anfitrião, um termo que deriva do nome do rei de Tebas (cidade grega), famoso por oferecer esplendidos banquetes: Anfitrión.

Na realidade uma figura mitológica que seria neto do semideus Perseu e bisneto de Zeus, simbolizando o caráter sagrado do banquete.

É interessante ressaltar que o anfitrião, a despeito de assistido pelo gastrófogo e gastrólogo, era aquele que recebia para o banquete e, como tal, responsável pela organização de todos os detalhes.
Para receber bem em sua casa, o anfitrião precisava entender da seleção dos ingredientes, do preparo dos pratos, da encenação dos atos, das ações em torno do comer e beber, da teatralização do rito e da coordenação do pessoal envolvido neste processo.
Ao mesmo tempo, embora o termo ainda não existisse, Arquestrato foi o que conceitualmente poderíamos nomear como cicerone, aquele que conduz e explica, um especialista no comer bem que possui uma erudição compartilhada com os convidados, ensinando e conduzindo pelo mundo gastronômico.


A palavra cicerone deriva do nome de um orador, político, advogado e escritor romano que viveu séculos após a morte de Arquestrato.


Trata-se de Marco Túlio Cícero, que viveu entre 106 e 43 a.C, também famoso por oferecer banquetes e pela sua erudição e paciência didática ao explanar assuntos os mais diversos.

Destarte, durante a antiguidade o termo gastronomia se difundiu e tornou-se popular no mediterrâneo, sendo incorporado pelos romanos.

Porém, com o advento da Idade Média e o fechamento da Europa Ocidental em feudos, voltados à cultura de subsistência, o desaparecimento do requinte culinário fez o termo se perder.
Somente no ano de 1800, outro poeta, o francês Joseph Berchoux recuperaria a expressão gastronomia.

Conhecido como humorista, publicando sátiras em jornais no período da Revolução Francesa, além de Juiz de Paz, Berchoux era um grande apreciador da boa comida, escrevendo o poema “La gastronomia”; também conhecido como “O homem do campo a mesa”.

A princípio uma piada satirizando velhos hábitos alimentares herdados dos gregos e romanos, o qual foi ganhando corpo e terminou influenciando a concepção teórica sobre a culinária.

O humorista italiano Jacopo Landoni traduziu o poema para sua lingua, ajudando a difundir o termo.
Em 1825, outro francês, Jean Anthelme Brillant-Savarin, incorporou a palavra na obra “Fisiologia do gosto”.

O autor foi um notório político, advogado, magistrado e cozinheiro; participando ativamente da Revolução Francesa e chegando a ser eleito deputado da Assembleia Nacional Constituinte de 1789.

Na fase do terror, com sua cabeça colocada a prêmio e destinada a guilhotina, fugiu para o exilio, primeiro na Holanda e depois nos Estados Unidos da América, onde sobreviveu dando aulas de violino e francês; mas com a ascensão de Napoleão Bonaparte, retornou a França em 1797, sendo nomeado juiz do supremo tribunal.

O seu livro é o primeiro tratado sistematizado abordando a culinária no sentido que a gastronomia assumiria contemporaneamente, ainda hoje constituindo uma referência obrigatória para os estudantes da área.
Finalmente em 1863, Émile Littré, um dos divulgadores do positivismo na França e seguidor muito próximo a August Comte, referenciou o termo e significado no seu “Dicionário da Língua Francesa”.
Representando, mais do que a dicionarização do termo, a oficialização de um novo segmento do conhecimento humano, fazendo parte do processo iniciado com o iluminismo e a enciclopédia de compartimentação do conhecimento filosófico.
A partir da França, já então centro cultural do mundo, com sua culinária apreciada e valorizada internacionalmente desde antes da Revolução Francesa, pelo menos a partir  auge do Antigo Regime, a monárquia absolutista; o uso da palavra e do conceito gastronomia se difundiu definitivamente pelos mais diferentes países e continentes, incluindo as Américas e o Brasil.

 

Gastrônomo, gourmet, gourmand e foodie.
Acompanhando a consolidação da gastronomia como área do conhecimento humano autónoma e embasada em princípios teóricos, no inicio do século XIX surgiram termos para nomear os profissionais ou aficionados na boa culinária.
A partir do inglês groom e groomet apareceu na França da palavra gourmet.
 












Na Inglaterra, o groom era o servidor, serviçal da nobreza; enquanto o groomet - da onde deriva também o termo grumete em português - era um criado especializado em servir vinho, por isto, entendedor das safras, do manuseio, da conservação e até do processo de confecção.
Quando foram incorporadas ao francês, as duas palavras fomentaram o aparecimento do termo gourmet, inicialmente significando especialista nos sabores proporcionados pelos vinhos.
Por oposição surgiu o termo gourmand, derivado da palavra francesa glutany, o guloso, depois simbolizando o apreciador de doces; incorporado ao vocabulário gastronômico como especialista em comidas.
Depois passou a ter uma conotação pejorativa, supondo um prazer relacionado mais com a quantidade do que com a qualidade.
À medida que o conhecimento gastronômico foi evoluindo, ainda no século XIX, gourmet passou a significar especialista tanto em vinho como em comida, aquele que sabe analisar sensações gustativas com erudição, decodificando e propondo novos códigos e significados.

Ao mesmo tempo, gourmand adquiriu o significado de apreciador não especializado da gastronomia, seria o consumidor apaixonado por comer bem, mas que não possui o conhecimento técnico e teórico.

Contrapondo-se a terminologia francesa, no século XX surgiu na Inglaterra a palavra foodie, denotando o aficionado pela boa comida, não necessariamente conhecedor do contexto teórico gastronômico.

Também no século XX, o termo gastrósofo foi recuperado da antiguidade, sendo usado para substituir indistintamente gourmet, gourmand e, depois, foodie; designando especialistas e aficionados pela culinária.

Conforme a gastronomia foi se difundindo mundo a fora, sendo, inclusive, massificada em certo sentido; firmou-se o termo gastrônomo, aquele capaz de preparar e/ou desfrutar a boa cozinha, possuindo conhecimentos para selecionar ingredientes, preparar a comida, cuidar da estética e servir.
Atualmente o gastrônomo é o especialista em gastronomia envolvido com a produção da culinária; enquanto o gourmet representa o entendedor das teorias que consome a boa comida; e o gourmand ou foodie é o consumidor comum que aprecia, mas não domina o saber acadêmico.

 

Cultura e cozinha.
A culinária faz parte e utiliza uma ampla gama de elementos da cultura gastronômica, um rico emaranhado de códigos e significados específicos que guardam, no entanto, intima relação com conceitos gerais do aspecto cultural.
Definir cultura não é uma tarefa fácil, pois se trata de um conceito polissêmico, com inúmeros significados que transitam entre o micro e o macro.
Porém, em linhas gerais, uma definição abrangente diria que cultura envolve crenças, valores construídos ao longo de gerações, denotando uma identidade.

A palavra cultura é originária do latim colere, que significa cultivar; foi definida em um sentido academico pela primeira vez por Edward Burnett Tylor - um antropologo britânico do final do século XIX -, segundo o qual engloba todo elemento que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade.

A despeito da definição clássica ainda em vigor criada por Tylot; ao criarem o termo, os romanos associaram o termo, com as altas formas de manifestação artísticas e técnicas da humanidade, como a música, arte, etc; expressando as caracteristicas tipicas de um povo ou civilização.
A partir de textos do final do século de XIX, do critico literário britânico Matthew Arnold, a cultura começou a ser pensada em três vertentes: popular, erudita e de massa.
A cultura popular seria aquele que brota do seio do povo, nasce espontaneamente, sendo geralmente oral e transmitida de geração para geração.
A cultura erudita seria mais refinada, formalizada pelo saber acadêmico e/ou escolarizado, exigindo conhecimentos teóricos e vinculada com os avanços tecnológicos e científicos.
A cultura de massa, ampliada no século XX e, sobretudo, XXI, comportaria a massificação de conceitos, principalmente pelos meios de comunicação, utilizada para servir aos interesses capitalistas, fomentando o consumo e, para tal, nivelando a qualidade por baixo para ampliar a quantidade.
A cultura gastronômica massificada originou, após a 2º. Guerra Mundial, a generalização do fast-food, a comida rápida sem grande requinte, não exigindo conhecimentos especializados, associada com métodos industriais de produção e com a dinâmica do fordismo.
Cabe lembrar que o fordismo remete a técnica industrial de massificação da fabricação de automóveis criada por Henry Ford, em 1914, para produzir carros em série e controlar a mão-de-obra.
Antes de Ford os carros eram produzidos artesanalmente por trabalhadores que dominavam todo o processo, possuindo conhecimentos que hoje são detidos pelo que chamamos engenheiro automobilístico.
A linha de produção em série de Ford passou a utilizar operários não especializados, os quais deveriam apenas repetir ações automáticas e especificas em uma esteira, compartimentando as etapas produtivas e o conhecimento necessário.
No fast-food, o fordismo eliminou a figura do chefe, substituído pelo gerente; eliminando também o cozinheiro, o qual cedeu lugar ao operário, sem nenhum conhecimento gastronômico, meramente repetindo processos divididos em uma equipe que trabalha em uma linha de produção.
Acelerando a produção, mas reduzindo a qualidade e excluindo o elemento artístico, estético, criativo e inovador.
Opondo-se a cultura massificada do fast-food, surgiu na Itália, em 1986, um movimento de contracultura chamado slow-food (comida lenta) liderado por Carlo Petrini, um jornalista especializado em crítica gastronômica.
O qual ergueu uma bandeira contra o predomínio de uma grande rede de fast-food norte-americana no segmento de hambúrgueres e batatas fritas acompanhados de refrigerante.
Petrini criou a Universidade de Ciência Gastronômica em Parma, publicando vários livros defendendo o resgate do prazer à mesa, o que exigiria calma e um consumo envolvendo saborear e vivenciar o prazer do momento.
Para o slow-food, seria necesspario resgatar identidades culturais ligadas com tradições gastronômicas, implicando em proteger produtos, processos e técnicas de cultivo, além de tradições herdadas através de gerações.
Neste sentido, defende a preservação de espécies vegetais e animais, domésticas e selvagens; afirmando que a boa culinária deve limpa, saborosa, respeitando o meio ambiente e oferecendo preços justos ao gourmand.
Também se opondo ao fast-food, na virada no século XX para o XXI, surgiu um controverso movimento de contracultura: o fast casual.
Embora para alguns teoricos represente somente uma evolução do fast-food, o fast casual proprõe servir comida barata e rápida, mas com qualidade mais elevada, contando com ingredientes selecionados e serviço amigável.
A ideia seria servir refeições saudáveis, esteticamente trabalhadas, com uma área de preparo a vista do consumidor e contando com cozinheiros responsáveis pela totalidade da elaboração do prato.
Não obstante, a cultura gastronômica é muito mais ampla do que a tentativa de sua massificação pelo capitalismo selvagem vigente.


Em linhas gerais, podemos dividir a cultura gastronômica em três grandes vertentes: a cozinha tradicional, evolutiva e de vanguarda.

A cozinha tradicional é aquela que possui vinculo direto com a identidade cultural de um determinado territorio, povo ou grupo; com um desenvolvimento histórico proprio e receitas oficiais reproduzidas por gerações.

Subdivide-se em três segmentos: popular, erudita e clássica.

 A cozinha tradicional popular é ancestral, sua origem se perde no tempo e se confunde com a identidade dos povos, caracteristicamente não codificada é anomima e pertence à tradição oral, guardanda na memória e reproduzida através da repetição de geração em geração.
A cozinha tradicional erudita representa a codificação do popular, sua transposição para o universo acadêmico, icorporando a tradição oral transformada em registro histórico escrito, com receitas bem definidas e inalteráveis.
A cozinha tradicional clássica espelha a culinária usual, tipica e regionalizada; a despeito de constantemente associada à tradição francesa; expressa a identidade de um grupo amplo ou mais restrito de determinada região - a exemplo da tradição classica baina, nordestina ou brasileira -, comportando ingredientes que pertencem a um territorio especifico e denotando hábitos alimentares e comportamentais.
No ambito das três grandes vertentes da cultura gastronômica, a cozinha evolutiva incorpora a tradicional em todas as suas variantes, apresentando uma ligeira modernização, adaptando valores e gostos, alterando alguns ingredientes sem modificar a essencia do prato.
Parte do popular, erudito ou tradicional, trabalhando gostos com prudência muitas vezes apenas adptando o alimento ao paladar da clientela conforme os ingredinetes reginalmente disponiveis e/ou assimilando avanços técnicos e tecnologicos para modernizar o prato.


Também inserida no ramo principal da cultura gastronômica, a cozinha de vanguarda rompe totalmente com a tradição, propondo novos conceitos e sabores e misturando os ingredientes sem repeitar receitas, técnicas e processos instituídos.


Este segmento possui inumeras divisões, as quais, devido a peculiar característica inovadora da vanguarda, aumentam crescentemente, conforme o estilo gastronômico evoluí.
No entanto, a cozinha de vanguarda possuí algumas divisões estudadas e catalogadas, comportando: a cozinha criativa, autoral, molecular, tecnoemocional e recreativa; além de tendências mais recentes como a neocozinha e o menú degustação.
A cozinha de vanguarda criativa está reservada aos grendes especialistas e cozinheiros profissionais com conhecimento prático e teorico aprofundado; é aquela que apresenta o novo, revolucionando a culinária, assemlhando-se a criação de uma obra de arte.
A cozinha de vanguarda autoral possuí vínculo com os grandes chefes de cozinha, consagrados e apreciados por gourmets e goumands; é única, singular, artesanal, trabalhando com misturas inusitadas, renovando e inovando no sabor e na apresentação, guardando um toque que permite identificar seu autor.
Portanto, apresenta um padrão associado ao estilo do chefe, a despeito da variedade de pratos, representando o equivalente a produção de um artista ou escritor singular que altera o traço da pincelada ou a estrutura narrativa.
A cozinha de vaguarda molecular é uma tendência relativamente recente, apareceu em 1988, simultaneamente, na França e Espanha, associada ao trabalho conjunto de cientistas e cozinheiros, transformando alimentos com respaldo dos avanços tecnologicos e da composição quimica dos ingredientes.
A cozinha de vanguarda tecnoemocional é ainda mais recente, apareceu na virada para o século XXI, especificamente na Espanha, onde é mais difundida, apesar de estar atualmente disseminada pela Europa e outras partes do mundo, tendo chegado com grande força no Japão.
O próprio termo denota um neologismo que se refere a uma culinária de alta tecnologia que busca resgatar emoções, apelando ao espírito para despertar sentimentos em quem degusta.
Apesar de recente, já foi desdobrada em uma variante, a cozinha técnico-conceitual, que além de emocionar, apresentando o novo, representa conceitos vinculados com identidades regionais.
A cozinha de vanguarda recreativa, embora pareça ligada a pratica culinária amadora, é altamente especializada, sendo práticada pelos grandes gourmets, reunidos em um ambinete de camaradagem e companheirismo por puro divertimento.
Representa a produção culinária efetivada no tempo de ócio dos gastronômos, misturando ingredientes conforme o paladar individualizado, sem preocupação com a possibilidade de reprodução posterior da receita ou de comercialização.
Dentro do ambito da vanguarda, a neocozinha, uma tendencia exclusivamente espanhola, propõe a renovação do tradicional e evolutivo.
Já o menú degustação retomou no século XXI uma prática que nasceu no século XIX, propondo a degustação gourmand de miniaturas, pequenas porções em grande variedade, misturando sabores no paladar, possibilitando conhecer pratos criativos em diversidade.

 

Concluindo.
Adentrando a gastronomia e a cultura gastronômica, passeando em meio ao surgimento e evolução da terminologia, somos conduzidos a uma questão central, cuja resposta envolve a analise do desenvolvimento da história da alimentação: o que é gastronomia?


Ao contrário do que imagina o senso comum, este segmento do conhecimento humano é milenar, guardando enorme complexidade e compondo um complexo quadro evolutivo intimamente relacionado com a própria história da humanidade.


Não obstante, a gastronomia, conceitualmente é uma mistura de técnica, ciência e arte.

É tecnica, derivando da techné grega na antiguidade, porque requer o domínio de procedimentos e o conhecimento dos sabores contidos em ingredientes, além do requisitado pelos paladares.
Os gregos antigos chamavam techné algo que se confundia com a arte, envolvendo certa criatividade, capacidade de improvisação, respondendo às necessidades construtivas que conseguem reproduzir inovações e utilizar tecnologias para facilitar o trabalho humano.
Mas a gastronomia, neste sentido é também ciência, porque não apenas reproduz, cria o inteiramente novo e ajuda a construir e aprimorar racionalmente o conhecimento, estudando o que existe e incorporando novos sabores.
Responde por uma esfera acadêmica, formalizando o saber culinário, encontrando suas raizes e conceituando os pratos e práticas da cozinha em todas as esferas territorias e teóricas.
Como pretendiam os gregos e outros povos antes deles, é sobretudo arte.
Pensada em sua origem ars, definida pelos romanos como processo criativo a partir da percepção, com o intuito de expressar emoções e ideias, produzindo novos e múltiplos significados.
Adentra um referencial polissêmico que se estende para o termo gastronomia, visto que a arte possuí inumeras definições possíveis, com variações ao longo do tempo e espaço.
Todas dentro do âmbito de um mesmo significado geral, a arte culinária procura estabelecer ordem ao caos representado por gostos diversificados e individualizados, percepções interiorizadas em quem degusta.

 

Para saber mais sobre o assunto.
ARANHA, Maria Lucia Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.
CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo: Ática, 1994.
GÓMEZ, Fernando Sánchez. La cocina de la crítica: história, teoria e práctica de la crítica gastronómica como género periodístico. Madri: Amazon, 2014.
PETRINI, Carlo. Slow Food: Princípios da Nova Gastronomia. São Paulo: Senac, 2009.

PETRINI, Carlo. Slow Food Nation: Why Our Food Should Be Good, Clean, and Fair, Rizzoli, May 2007.

PETRINI, Carlo. “Slow Food Revolution: A New Culture for Dining and Living” In: Conversation with Gigi Padovani, Rizzoli, September 2006.

PETRINI, Carlo. Slow Food: The Case for Taste (Arts & Traditions of the Table: Perspectives on Culinary History). Columbia University Press , April 2003.

PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século XX: taylorismo, fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

RAMOS, Fábio Pestana. “História e Cultura” In: Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 06/09, 2010, p.01-12. Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2010/09/historia-e-cultura.html> Acesso em: 01/12/2014.

SOARES, Marilda Aparecida. “O conceito de cultura: um produto social e historicamente construído” In: Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jul., Série 13/07, 2011, p.01-06. Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/07/o-conceito-de-cultura-um-produto-social.html> Acesso em: 01/12/2014.

WOMACK, James P. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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