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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Lembrar os mortos é reviver a história.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume jun., Série 29/06, 2011, p.01-03.


A vida é uma sucessão de separações graças às quais, não paramos de crescer.

A cada instante, morremos para nós mesmos, para os outros, para o mundo ou para o tempo.
É como se a experiência da perda estivesse geneticamente inscrita. 
Perder alguém sempre significa reativar um sentimento que já foi vivido.
Perder um ente querido, no amor como na morte, significa desconstruir o velho sonho do “para sempre”.
O sofrimento, então, só nos faz pensar no “nunca mais”.


Luto e história.
Psicanalistas e filósofos concordam: para fazer o luto é preciso vive-lo, ou seja, adentrar a história.
Ora, frente à dor, a vida de hoje parece não autorizar mais manifestações externas, individuais ou coletivas.
Ninguém chora ou grita.
Os rituais laicos ou religiosos se reduziram ao mínimo.

Apaga-se o luto, que se tornou uma aventura estritamente privada. Aventura vivida em segredo e pudor.
Antigos cemitérios, cujos jazigos funcionavam como uma espécie de consciência genealógica, - nossos bisavós e avós aí repousam - se tornaram necrópoles turísticas.
A nova cidade dos mortos é um jardim anônimo.
Hoje, vale o ditado: longe dos olhos, longe do coração.
Mas longe mesmo.
Os americanos já pensam até na satelitização das cinzas.
Evacuadas, esquecidas, estocadas, por que não manda-las ao céu?
A verdade é que o silêncio e o apagamento dos entes queridos não são signos de uma vitória contra a dor.
São, apenas, produtos anti-sépticos para dissimula-la.
Resultam de um esforço imposto pelos imperativos da “boa educação”.
A banalização, via televisão, de guerras e acidentes que não nossos, transforma em espetáculo a morte dos outros, sedando ou esvaziando o horror das mortes em massa.
Mas toda a vida se acaba, sem ter verdadeiramente acabado.
Os mortos não deixam de existir. Talvez, por isso, uma das tarefas dos vivos é falar do morto, reconstruindo sua existência.


Concluindo.
O luto não serve para esquecer, ao contrário, prepara para refazer o personagem – parente, criança, amigo perdidos – implica em construir o retrato que guardaremos na memória, evitando-lhes uma segunda morte.
Alguém já disse que os mortos precisam dos vivos.

Só nós podemos lhes fazer viver na lembrança.

Depois do luto, chega o tempo das conversas e de contar as vidas que tanto mais entendemos quanto mais falamos delas.

Só assim nossos desaparecidos encontrarão seu lugar em nossa memória, e na memória dos nossos.
Lugar, não sob a forma de incômodos cadáveres, mas como doce companhia, modelos ou cúmplices de nosso universo.
Desta perspectiva, lembrar dos nossos não é mais triste.


Texto: Profa. Dra. Mary Del Priore.
Doutora em História Social pela USP, com Pós-Doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris/França).
Lecionou História do Brasil Colonial nos Departamentos de História da USP e da PUC/RJ.
Autora de mais de cinqüenta livros e atualmente professora do Programa de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO/NITERÓI.
Membro do Conselho Editorial de "Para entender a história..." desde 14/01/2011.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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