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terça-feira, 17 de maio de 2011

A questão do poder disciplinar em Foucault.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume mai., Série 17/05, 2011, p.01-06.


O presente trabalho pretende fazer uma breve análise sobre a teoria do poder disciplinar presente no livro “Vigiar e Punir” de Michel Foucault.

O filósofo francês nos trás de forma polêmica e inovadora o nascimento de uma nova forma de poder coercitivo que fora o poder disciplinar que surgiu no Ocidente no século XVIII.
De acordo com a teoria de Foucault, esta forma de poder nasce a partir de uma nova concepção da sociedade com a queda do chamado poder soberano predominante nos regimes absolutistas da Europa.
A nova sociedade, filha das revoluções liberais, governada pela ideologia burguesa, vê o poder disciplinar como a forma mais cabível e eficaz de garantir a ordem, substituindo os suplícios e espetáculos de execução pública.



A teoria de Foucault sobre o poder.
A proposta filosófica de Michel Foucault é com certeza revolucionária e original, tendo como objeto de estudo o poder e suas formas de manifestação.
Este filósofo de nosso tempo concebe o poder não de maneira vertical ou mesmo maniqueísta em uma dialética entre “opressores” ou aqueles que exercem o poder e “oprimidos” aqueles que sofrem com a coerção do mesmo.
A polêmica teoria sobre o poder proposta por Foucault torna-se original, pois para o filósofo, não existe uma teoria geral ou mesmo axiomática do poder, suas análises não o consideram a realidade com característica universal.  
De acordo com Roberto Machado, para Foucault não existe algo unitário ou global que chamamos de poder, mas sim, formas díspares, heterogêneas em constante transformação, o poder é uma prática social e, como tal, constituída historicamente, logo, as práticas ou manifestações de poder variam em cada época ou sociedade.
Para Foucalt toda teoria é provisória, acidental e dependente do estado de desenvolvimento da pesquisa, aceitando seus limites.
Poderíamos entender que as teorias propostas anteriormente sobre o exercício do poder não são falsas ou errôneas, mas deram conta de explicar a sociedade de seu tempo.
O próprio filósofo aceita que suas teorias também são provisórias e possíveis de serem refutadas ou mesmo derrubadas.
Segundo Foucault, o poder não emana unicamente do sujeito, mas de uma rede de relações de poder que formam o sujeito, dentre outros elementos, tal como o discurso, a arquitetura ou mesmo a própria arte.
O poder é concebido como uma rede, não nasce por si só, mas de relações sociais.
Outro aspecto inovador da teoria de Foucault é observar este mesmo poder como algo muitas vezes positivo, inerente a natureza humana, manifestado em pequenas coisas, através de pequenos dispositivos.
Em seu livro “Vigiar e Punir”, que trata sobre o nascimento da prisão e outras instituições disciplinares, o filósofo discorre de forma minuciosa e instigante sobre a questão do poder disciplinar.
Na terceira parte de sua obra, Foucault explica que a partir dos séculos XVII e XVIII o poder foi exercido através de dispositivos disciplinares, o Estado ou mesmo a sociedade se utilizou do corpo, da vigilância e do adestramento para garantir a obediência e disciplinar os indivíduos.



O desaparecimento dos suplícios e a disciplina sobre o corpo.
Foucault analisa e discute uma profunda metamorfose quanto à forma de punição e condenação dos presos e criminosos na Europa.
Anteriormente, o espetáculo de execução publica de condenados a morte era utilizado como instrumentos disciplinar.
A execução em praça pública, desde a Idade Média, com os Atos de Fé da Inquisição, gerava nos expectadores não somente o terror, mas também o medo de cometer algum tipo de crime contra a fé.
Tais formas de punição estão estreitamente ligadas ao chamado poder de soberania que consiste no exercício do poder de um governante sobre um território.
Modelo comum aos déspotas e monarcas da Europa entre os séculos XV a XVIII.
O poder era, portanto, exercido e representado através dos suplícios, da força e da violência.
Aos poucos, esta forma de condenação desapareceu cedendo espaço a uma nova forma de punição.
Uma nova concepção filosófica, a partir do iluminismo e das revoluções liberais, bem como as novas teorias sobre o direito, fizeram a morte em público começar despertar terror e repúdio na população.
O que levou a novas formas de condenação, o espetáculo da execução passou a ser condenado pela grande parte da sociedade.
O novo modelo disciplinar de punição do criminoso consistia em não tocar ou aproximar-se do corpo do individuo.
Obviamente, algumas práticas ainda persistiram como o uso do chicote ou do cassetete.
A condenação dos indivíduos passou a se dar de forma mais velada e sutil.
A violência não foi assumida como carro chefe da justiça, porém utilizada em último caso de forma decorosa e indesejável.
O poder de soberania cedeu espaço ao chamado poder disciplinar.
Discorrendo sobre a questão do poder disciplinar, Foucault identificou o corpo como objeto e alvo de poder.
Citou o exemplo do soldado que reflete sua disciplina através de sua postura e do próprio corpo, como percebemos no fragmento abaixo:

O poder sobre o corpo, por outro lado, tampouco deixou de existir totalmente ate meados do século XIX. Sem dúvida, a pena não mais se centralizava no suplicio como técnica de sofrimento; tomou como objeto a perda de um bem ou de um direito. Porem castigos como trabalhos forçados ou prisão - privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. Conseqüências não tencionadas mas inevitáveis da própria prisão? Na realidade, a prisão, nos seus dispositivos mais explícitos, sempre aplicou certas medidas de sofrimento físico.
A critica ao sistema penitenciário, na primeira metade do século XIX (a prisão não e bastante punitiva: em suma, os detentos tem menos fome, menos frio e privações que muitos pobres ou operários), indica um postulado que jamais foi efetivamente levantado: e justo que o condenado sofra mais que os outros homens? A pena se dissocia totalmente de um complemento de dor física. Que seria então um castigo incorporai? Permanece, por conseguinte, um fundo "suplicante" nos modernos mecanismos da justiça criminal - fundo que não esta inteiramente sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade do incorporal. (FOUCAULT, 2004, p.18)

Nos perguntemos qual seria o objetivo de se disciplinar o corpo?
Foucault responde ao tratar dos chamados corpos dóceis.
A disciplina sobre o corpo tem por finalidade produzir indivíduos dóceis e submissos a determinados sistemas, ao mesmo tempo, estes devem oferecer uma mão-de-obra de qualidade que ajude o desenvolvimento econômico da sociedade.
A disciplina tem seu aspecto político ao produzir indivíduos submissos ao poder do Estado, garantindo o “equilíbrio” e a “ordem”.
O poder e a disciplina sobre o corpo possibilitam o funcionamento de instituições e grupos sociais.
Desta forma, Foucault nos mostra que o corpo passa a ser considerado um objeto possível do controle disciplinar.
A nova organização política e social, exige também novas formas de disciplina.
A experiência decorrente dos movimentos de revolução ocorridos na Europa, demonstrou que o exercício do poder através da violência se tornou ineficaz.
O controle sobre o corpo e sobre o modo de vida dos indivíduos, de forma sutil, evitava possíveis levantes e protestos, mostrando-se mais eficiente.



A organização do espaço
Outro aspecto do poder disciplinar se relaciona também com o espaço através das disposições e organizações do mesmo.

Através da disposição dos objetos e estrutura dos prédios, o poder disciplinar é exercido através da observação vigilante e a sensação de estar sempre sob a presença do poder maior coercitivo.
A prisão não mais será um ambiente escuro e sombrio, mas sim um espaço iluminado que possibilite a vigilância da vida e das atitudes dos detentos.
Um simples olhar ou mesmo a vigilância sobre os presos garantem a disciplina e a submissão dos indivíduos.
O novo modelo de construção utilizado nas prisões acabou servindo para outras instituições que pretendiam obter a disciplina e obediência como foi o caso das fábricas, a começar pela Inglaterra no século XVIII estendendo-se pela Europa no século XIX.
De acordo com Michele Perrot, o espaço de produção era organizado de forma circular, no centro situava-se, geralmente, as peças ou a matéria prima para a confecção de produtos.
Desta forma, o indivíduo que tivesse a responsabilidade de cuidar do andamento da produção poderia ver todos os operários a sua volta, evitando possíveis furtos ou indisciplina.
A dinâmica do novo modelo de organização espacial, como já fora dito, foi estendida outras instituições e espaços, como escolas, hospitais, dentre outros.
Os espaços fechados eram, ao mesmo tempo, arejados e amplos, permitindo a vigilância dos diversos indivíduos ali presentes.
O nascimento de uma nova sociedade, a partir dos ideais iluministas e das revoluções burguesas, a privação da liberdade que se tornara tão preciosa a sociedade contemporânea, tornou-se uma forma de punição mais incisiva, substituindo os suplícios, uma vez que os direitos do homem e do cidadão passam a ser centrais na organização social.
A detenção em prisões priva o indivíduo da liberdade e de seus direitos colocando-o a margem da sociedade.
A punição, novamente, se daria sem o recurso da violência contra o corpo.



O controle do tempo
Assim como o espaço será determinante para a formação de uma sociedade disciplinar, outro aspecto analisado por Foucault será a nova concepção de tempo bem como a sua organização.
A nova sociedade regida pelo poder disciplinar utiliza-se do tempo como um de seus mecanismos de controle.
A começar novamente pelo exemplo dos presídios, em um modo de vida quase monástico, todas as horas do dia dos detentos são preenchidas com diversas atividades como refeições e trabalho.
Oração com horários bem delimitados e previamente determinados.
Tais horários são anunciadas por algum tipo de sinal sonoro, desta forma os indivíduos voltam suas mentes para as atividades impostas pela instituição da qual estão ligados.
O controle de todas as horas do dia, enquanto dispositivo do poder disciplinar, evitava qualquer tipo de organização ou mesmo de um pensamento rebelde.
Uma vez que o foco eram as tarefas a serem realizadas.
A possibilidade de uma ação de resistência deste modo é coibida, da mesma forma, os indivíduos que estiverem em tal situação estavam sob constante vigilância, o que inibia levantes.          
A vigilância por seu turno é acompanhada de rigorosas punições, o que exerce o medo sobre o indivíduo, na maioria das vezes sem o apelo da violência, utilizando-se de outras formas de castigo, como a chamada solitária.
Isolando o indivíduo dos outros, além da diminuição da alimentação ou da atividade sexual, o indivíduo é conduzido a momentos de forte pressão psicológica.
A prisão nada mais é do que um local de privações, a perda da liberdade e do direito de ir e vir tornam-se agora os maiores receios da sociedade.



Concluindo.
A partir das teorias sobre o poder disciplinar de Foucault, percebemos como o exercício deste poder se deu através de diversos dispositivos e elementos que elencamos.

Primeiramente, o poder sobre o corpo representou o controle sobre o indivíduos e suas necessidades biológicas.
Uma vez adestrado, este será útil e submisso ao sistema que se impõe, contribuindo para o equilíbrio e a ordem.
O aspecto da construção se mostrou como forma de punição eficaz através da privação dos direitos de liberdade, bem como o ir e vir, excluindo o sujeito de um determinado grupo social.
Estendendo-se para outros espaços que não necessariamente pretendem punir, esta forma de poder também se manifesta através da vigilância e eminência de formas de punição que castigam o corpo não de forma física, mas psicológica e biológica.
Por fim, o controle do tempo garante a disciplina dos indivíduos e seu adestramento, evitando atitudes de rebeldia.
Tais dispositivos essenciais para o funcionamento do poder disciplinar estão presentes em nossa sociedade até os nossos dias, muitas vezes de forma sutil, mas que ainda garantem a ordem e a manutenção do meticuloso funcionamento da sociedade ocidental contemporânea.



Para saber mais sobre o assunto.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2004.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder, Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979

PERROT, Michele. Os excluídos da história, São Paulo: Paz e Terra, 1988.



Victor Mariano Camacho.
Graduando do 7º Período de História pela Uniabeu – Centro Universitário
Nilópolis – RJ.

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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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