Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
Não possui fins lucrativos, seu objetivo é disseminar o conhecimento com qualidade acadêmica e rigor científico, mas linguagem acessível.


Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Marx e o materialismo histórico.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume abr., Série 04/04, 2011, p.01-08.


Enquanto o positivismo representou uma preocupação com a manutenção da ordem capitalista, o marxismo procurou realizar uma critica a este tipo de sociedade, colocando em evidência as contradições.
O representante maior desta critica foi Karl Marx (1818-1883), auxiliado por Friedrich Engels (1820-1903).
Ambos demonstraram grande preocupação em provar que o capitalismo seria um acontecimento transitório, diante do aparecimento iminente de uma classe revolucionaria no seio da sociedade capitalista.


As idéias de Marx.
Alemão, quando era jovem, Marx testemunhou o crescimento das fábricas e da desigualdade, foi quando se envolveu em conflitos políticos com o governo de seu país.
O que, depois de breve período de estudo na França, fez com que se estabelecesse na Inglaterra como exilado político.

Neste ultimo país pode observar de perto o nascente desenvolvimento industrial do capitalismo no século XIX.


Isto fez com que Marx passasse a enxergar o capitalismo como um sistema de produção presente em sistemas econômicos anteriores, chegando a afirmar que as mudanças sociais estariam ligadas ao desenvolvimento da economia.
Neste sentido, os detentores de capital, chamados de capitalistas, proprietários dos meios de produção, formariam a classe dominante, utilizando a ideologia para manipular os proletários.
O termo proletário é usado por Marx para designar os despossuídos que só tem como capital sua mão de obra, vendida aos capitalistas em troca de um salário.
Na realidade, a palavra não era nova, sua origem remonta a Roma antiga, significando, a partir do latim, aquele que só tem como propriedade a sua prole, já que os filhos e a esposa podiam servir de garantia para contrair empréstimos.
No contexto romano, ao não saldar um divida, o proletário tinha a prole escravizada e, em casos extremos, o próprio devedor se tornava escravo.
Em todo caso, no século XIX, para Marx, a ideologia, utilizada pelos capitalistas para controlar as massas, poderia ser definida como idéias que influenciam comportamentos.
Estas idéias estariam presentes nas instituições, montadas de forma a ocultar as relações antagônicas entre capitalistas e proletários, sempre favorecendo as elites.
Em escolas, por exemplo, a ideologia das classes dominantes estaria fortemente presente, não só através do próprio sistema educacional, como também, inclusive, nos textos dos livros didáticos.
Assim, para romper com este domínio, o conhecimento dos papéis assumidos pelo conjunto das instituições seria fundamental.
Compreender a sociedade capitalista, incluindo o estudo do sistema educacional, seria essencial para construir uma sociedade mais justa.
Pensando na questão, em sua principal obra, O capital, Marx desenvolveu a idéia de que existe uma relação de exploração entre classes, resultando em conflitos despertados pela divisão injusta da “mais valia”.
A “mais valia” seria a diferença entre o custo de contratação de mão de obra e recursos necessários para produção, contraposto ao rendimento do resultado final.
Em outras palavras, simplificando, a “mais valia” representa o valor agregado ou o lucro, o que ele chamou de valor excedente ou maior, concentrado inteiramente nas mãos do capitalista, de onde veio justamente o dito termo.
Daí a famosa expressão: “a culpa é da mais valia”.
Um slogan muito utilizado por marxistas até hoje para se referir as desigualdades sociais registradas dentro do âmbito do sistema capitalista.
Entretanto, as idéias de Marx não são originais, remetem a vários outros pensadores, pegando conceitos emprestados.


Os pensadores que influenciaram Marx.
Filho de um jurista prussiano e mãe holandesa, de família judaica forçada à conversão ao luteranismo, Marx estudou direito na Universidade de Berlim, onde Georg Wilhelm Friedrich Hegel foi professor e reitor.
As concepções filosóficas de Hegel influenciaram fortemente o pensamento marxista, fazendo com que adquirisse o conceito de historicidade.
Para Hegel o mundo está em constante mudança, sendo condicionado por dois fatores que alteram o comportamento humano: coerção e liberdade.
O homem só conseguiria adquirir sua liberdade plena quando percebe que é um agente da história, que construi seu próprio destino, o que aconteceria por meio de uma revolução, sendo mergulhada em violência e coerção.
Como exemplo, ele cita a Revolução Francesa, um momento de libertação humana que foi conseguido através do terror, onde os opositores da cidadania foram exterminados pelos grupos que conseguiram enxergar seu papel na história.
Portanto, os movimentos históricos que geram rupturas acontecem de forma dialética.
Um outro conceito do qual Marx se apropriou, adotado como ferramenta junto com o materialismo histórico.
Este último também não foi desenvolvido por Marx, mas sim por Ludwig Feuerbach, embora não fosse assim nomeado pelo pensador.


Feuerbach se opunha as teorias de Hegel, discordando dele no que diz respeito a historicidade ser manipulada pelo espirito humano, pelas idéias; ao inverso, achava que as questões materiais é que determinam o pensamento.

Portanto, Feuerbach era um filosofo materialista que considerava a existência material como determinante dos comportamentos sociais.
Neste sentido, achava que a materialidade condicionava as idéias, usadas para manipular as pessoas, alienando, reduzindo a capacidade dos individuos de agirem por si só, tornando-os marionetes nas mãos dos grupos que compartilham o poder.
Afirmava que a religião consistia em uma projeção dos desejos humanos, não era concreta, sendo uma forma de alienação.
Conceitos que Marx uniu com o socialismo utópico francês, uma corrente que afirmava que o desenvolvimento de preceitos morais e ideológicos conduziriam a humanidade à formação de uma sociedade mais justa, com a partilha fraterna dos bens materiais.
A idéia estava baseada no pressuposto de que a moral cristã burguesa exigia o bem estar do próximo, o que levaria as civilizações naturalmente até o socialismo.
Marx considerou ingênuos os socialistas utópicos franceses, pois, tal como Hegel, pensava que seria necessário uma revolução para implantar o socialismo, mas na realidade acabou absorvendo várias de suas concepções.
Nesta grande salada, onde o marximo uniu dois filosofos opostos como Hegel e Feuerbach com idéias dos socialistas utópicos franceses, foram somados ainda componentes desenvolvidos por economistas ingleses, como Adam Smith e David Ricardo.
Conceitos muito discutidos entre os intelectuais da época, nas rodas de conversa freqüentadas por Marx, passaram a compor o centro do marxismo.
Dentre os quais a idéia de divisão social do trabalho, presente entre positivistas e funcionalistas, além da acumulação primitiva de capital, explicação segundo a qual a capitalização não é possivel pura e simplesmente pela divisão racional do trabalho.
O enriquecimento só aconteceria através da expropriação da produção coletiva.
Um exemplo concreto é o inicio dos cercamentos que deram origem a propriedade privada nos primórdios do aparecimento das primeiras civilizações.
No inicio da humanidade, as terras não tinham dono, tudo pertencia a coletividade, ao clã, familia ou grupo; porém, diante da ganância e da carência de recursos, os mais forte teriam começado a se apropriar do que era coletivo, cercando as terras para delas tomar posse.
Em outras palavras, toda acumulação primitiva de capital só é possivel através da criação de desigualdades que tendem a se tornar cada vez maiores.


O marxismo.
O que se convencionou chamar de marxismo é apenas uma colagem de vários conceitos vigentes na época de Marx, contudo, a originalidade reside justamente na junção de idéias antagônicas sobre o tripé dialética, materialismo histórico e socialismo cientifico.
Para Marx, o pensamento dialético conduziria a sociedade a revolução e, esta, ao socialismo.
Enquanto instrumental, a dialética, também chamada de materialismo dialético, pode ser caracterizada como um método que consiste em efetivar uma espécie de diálogo consigo mesmo, compondo um raciocinio que, explorando as contradições, envolve tese, antítese e síntese.
Além da dialética, outro componente essencial que conduziria a revolução seria o materialismo histórico, uma tendência que parte da base econômica para explicar outros níveis de realidade, como religião arte ou política.
Para o materialismo histórico, os fatores econômicos, as condições materiais, explicam todos os fenômenos históricos e sociais, inclusive os conflitos de classes, tidos como origem de diversos problemas sociais.
No caso de uma sociedade, por exemplo, restrita em suas fronteiras por povos mais fortes e pelo mar, com território pouco vocacionado a agricultura, a luz do materialismo histórico, teríamos o desenvolvimento de uma civilização de pescadores e, posteriormente, de navegantes e comerciantes.
Juntando estes dois elementos, dialética e materialismo histórico, Marx pensou no socialismo cientifico, uma tendência política, econômica e social definida como estágio superior de desenvolvimento civilizacional.
Segundo Marx e Engels, o capitalismo seria apenas uma etapa rumo ao socialismo, uma vez que as contradições entre burguesia e proletariado iriam amadurecer dentro deste sistema.

As contradições e condições materiais conduziriam a humanidade a um novo sistema econômico, compondo uma sociedade igualitária, com a abolição da propriedade privada e das classes sociais.

Exatamente por esta razão, os opositores do socialismo cientifico, também o chamam de utópico, tale como eram nomeados os defensores da tendência francesa do século XIX.

O socialismo cientifico seria utópico porque uma sociedade totalmente igualitária é inviável, devido a uma série de fatores, inclusive a própria natureza humana.
O termo utópico faz uma referência a obra de Thomás More, Utópia, uma ficção que narra a vida em uma sociedade perfeita, localizada em uma ilha, fazendo com que a palavra se tornasse sinônimo de perfeição impossivel de ser colocada em prática.


Concluindo.
O socialismo cientifico ou utópico, originado a partir do pensamento marxista, desdobrou-se em inumeras tendências, tal como o leninismo, o stalinismo, o trotsknismo, o castrismo, etc.
Em geral, onde o socialismo real foi implantado, um regime igualitário nunca foi concretizado, o governo compartilhado se degenerou em ditaduras repressivas e sangrentas.
O próprio Marx se equivocou ao considerar que o primeiro país onde o socialismo surgiria espontaneamente, com as contradições conduzindo a um revolução do proletariado, seria a Inglaterra.
Isto porque, como representante maior do sistema capitalista, com uma classe proletária, crescente por conta da industrialização, seria entre os ingleses que as contradições se tornariam gritantes a ponto de provocar uma revolução.
Ao inverso, a revolução começou na Rússia, país eminentemente agrário, liderada não por proletários, mas por intelectuais de classe média que pensavam estar lutando por todos, quando na verdade apenas substituiram os monarquistas na liderança da nação.
Entretanto, foram condições materiais que conduziram a Rússia a revolução bolchevic, tal como o contexto da primeira guerra mundial.
Portanto, o materialismo histórico mostrou sua utilidade, é pena que o próprio Marx não tenha conseguido utilizá-lo adequadamente como instrumental.


Para saber mais sobre o assunto.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 1987.
ENGELS, Friedrich. A origem da familia e da propriedade privada. São Paulo: Bertrand, 2006.
GIDDENS, Anthony. Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa: Editora Presença, 1994.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MAGEE, Bryan. História da filosofia. São Paulo: Loyola, 2000.
MARTINS, Carlos B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1985.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Saraiva, 2010.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Grijalbo, 1977.
MORE, Thomás. Utópia. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.

Um comentário:

  1. A necessidade é a mãe das revoluções.
    No entanto, nada adianta ao proletariado mergulhar numa tentativa de revolução quando não conhece verdadeiramente, sua realidade. Como supõe Marx.
    Marx, que viveu no século XIX, viveu de perto, quando exilado político na Inglaterra, o crescimento das fábricas e da desigualdade social. E nessa vivência direta e sob influência de outros pensadores como o seu camarada de luta Friedrich Engels permitiu-lhe a construção da economia crítica, subtítulo da obra "O Capital! Principal obra do filosofo que esclarece o surgimento, a consolidação, o desenvolvimento e as condições das crises da burguesia.
    Na obra, o autor esclarece também que há uma exploração entre classes. Provocada pela divisão injusta da "Mais Valia". E isso chama a atenção para a realidade da atualidade. Em que tantos tem tanto dinheiro e quase a totalidade da população brasileira, tem pouco.
    Por outro lado, é admissível que as pessoas que tem tanto são porque investem. E se os lucros são assustadores é porque a Lei favorece. Estabelece baixo salário mínimo, favorece a sonegação de impostos, administra-os mal, ingerido pela corrupção.
    A deficiência na administração dos recursos públicos federal, estadual, municipal problematiza a educação, saúde, alimentação, diversão ferramentas principais de uma vida próximo a da obra de Thomas More, Utopia, sociedade perfeita.
    Fato impossível. Pois uma sociedade perfeita só é possível quando é voltada ao materialismo dialético. Quando absorve de maneira crítica o meio exterior e transforma a necessidade em realidade.
    Os únicos fatores de o indivíduo adquirir liberdade plena são pela coerção e pela liberdade. Como afirma Hegel. Quando o sujeito percebe que é um agente da história.
    A união dos sujeitos que pensa e age dentro dos padrões de coerção e liberdade, aconteceria uma revolução. O que não acontece pelas pessoas que mais precisa como os marginais brasileiros e os homens bombas do oriente.
    (Paulo César Gomes, aluno de Filosofia Noturno/UECE).

    ResponderExcluir

Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.