Publicação brasileira técnico-científica on-line independente, no ar desde sexta-feira 13 de Agosto de 2010.
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Periodicidade: Semestral (edições em julho e dezembro) a partir do inicio do ano de 2013.
Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A educação no Brasil Império.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2, Volume fev., Série 07/02, 2011, p.01-14.

Pensando na história da educação no Brasil, desde seus primórdios até os dias atuais, é necessário que os educadores possam visualizar de forma mais completa temas em volta de seu oficio.


Foi com este intuito que, anteriormente, publicamos artigos que abordaram esta temática durante o período colonial.


Agora, dando prosseguimento ao estudo da história da educação no brasil, tentaremos estabelecer uma ponte com a época imperial, complementando um artigo aqui já publicado sobre a sensibilidade acerca da infância na mesma época.


A invasão de Portugal pelos franceses.
Antes da independência, em um período geralmente classificado como pertencente ao final da época colonial, o que a rigor não é muito correto, o Brasil foi elevado a Reino, deixando de ser tratado e considerado como uma mera colônia, configurando uma transição para o Império que foi importante no âmbito educacional.
Em 1789 havia começado a Revolução Francesa, dentro deste panorama revolucionário, um jovem general tinha chegado ao poder, seu nome era Napoleão Bonaparte.
Ele manteve as leis revolucionárias que assustavam os reis de toda a Europa, mas tornou a França um Império, dominando boa parte da Europa e entrando em confronto direto com a Inglaterra, país que, sendo uma ilha de acesso difícil, não podia ser invadido por tropas terrestres.
Assim, Napoleão ordenou um bloqueio naval às Ilhas Britânicas, tentando desestruturar seu comercio e abastecimento.
Por esta altura, Portugal já era um tradicional aliado inglês há séculos, mas, simultaneamente, mantinha relações amigáveis com a França, comprando principalmente a moda ultrapassada de Paris como sendo a última moda da Europa.
Governava Portugal como regente, desde 1792, o príncipe D. João VI, pois sua mãe, D. Maria I, era oficialmente considerada louca.
D. João, casado com a espanhola Carlota Joaquina, era um jovem tido como mais abobalhado ainda que D. José, não tinha firmeza em suas opiniões e costumava fazer aquilo que os seus conselheiros mandavam.
Os cronistas da época diziam que era um glutão inveterado que ignorava as mais elementares normas de higiene e asseio, contavam que enfiava frangos assados inteiros nos bolsos de casacas engorduradas e que nunca, em sua vida inteira, havia tomado um único banho de corpo inteiro.
A verdade é que D. João não havia sido criado para ser rei, era o seu irmão mais velho que estava destinado a ocupar o trono, mas como morreu de varíola.
Foi justamente este indivíduo de aspecto abobalhado, considerado como o rei mais feio e estúpido da Europa, que teve de enfrentar o grande dilema da história de Portugal.
Ficar do lado da Inglaterra e ser invadido pelas tropas de Napoleão, que contavam já com o apoio da Espanha e estavam aguardando lá para invadir Portugal, caso D. João se unisse aos ingleses.
Ou ficar do lado da França e ter o acesso português ao Brasil bloqueado pela armada inglesa, que era então a mais poderosa do mundo, perdendo a colônia que era chamada de vaca leiteira da Portugal.
O apoio lusitano era vital tanto para a França como para a Inglaterra, o país estava em posição estratégica privilegiada.
Caso Portugal ficasse nas mãos dos franceses, o poderio britânico poderia ser abalado por um bloqueio naval de fato eficiente.
Por outro lado, ficando do lado dos ingleses, o bloqueio naval francês perderia grande parte de sua eficácia, porque a Inglaterra contaria com uma base de apoio no continente para abastecer sua frota.
Diante do impasse, D. João VI apelou, como fazia sempre, aos seus conselheiros, mas eles ficaram divididos entre si, alguns a favor da Inglaterra e outros da França, deixando o príncipe regente completamente perdido e sem saber o que fazer.
Ocorre que a situação geopolítica da Europa, dividida entre a França e a Inglaterra, havia chegado a tal ponto que a neutralidade portuguesa havia se tornado impossível.
Os dois lados tinham dado um ultimato a Portugal: ou se Unia a um dos lados ou seria considerado inimigo dos dois.
Neste ponto, o embaixador inglês em Portugal, Lord Strangford, começou a autuar, ajudando a decidir o impasse.
Quando os franceses cansaram de esperar pela decisão do hesitante D. João VI, marchando através da Espanha com 23 mil soldados rumo a Lisboa, Strangford conseguiu convencer o regente a deixar Portugal entregue ao cuidado dos ingleses.
Pelo acordo, a Inglaterra enviaria tropas para proteger o país da invasão francesa, D. João iria para o Brasil com sua corte, continuando a governar Portugal de lá, sendo inclusive oferecida uma armada inglesa para levar o príncipe em segurança.
Facilmente influenciável e temendo por sua cabeça, pois a moda na França era a guilhotina para os seus inimigos, D. João partiu para o Brasil em navios ingleses em no dia 29 de outubro de 1807.
Escapou por pouco de ser aprisionado pelos franceses, os quais chegaram a Lisboa poucos minutos antes da partida da esquadra inglesa, inclusive um navio chegou a ser afundado pelos próprios canhões portugueses da Torre de Belém, então ocupada pelos franceses.
Como não conseguiram aprisionar D. João, do ponto de vista francês a invasão foi um fracasso, o general que comandou a operação foi inclusive destituído por Napoleão.
Os franceses não conseguiram se manter em Portugal por muito tempo, foram expulsos pelos ingleses.


A transição: o reinado de D. João VI e a educação.
D. João não veio para o Brasil sozinho, junto com ele estava toda sua corte, que incluía mais 10 mil nobres e os maiores intelectuais de Portugal.
Além disto, vieram para o Brasil setecentas carroças e carruagens, móveis rebuscados, obras de arte e, o mais importante, todos os arquivos portugueses e sessenta mil livros.
Para uma zona onde havia carência de livros, então raros, a transferência da Biblioteca Real para o Brasil foi um passo importante rumo a algumas melhorias no sistema educacional.
Antes com um acesso restrito a uns poucos privilegiados, virou a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, aberta a todo o público, a primeira biblioteca pública do país, justamente em um momento em que mesmo as bibliotecas privadas eram raras.
As melhorias que a mudança da corte para o Brasil trouxeram não se resumiram apenas a criação de uma biblioteca pública.
Tendo sido transferido o governo para o Rio de Janeiro, então sediando a corte, o Brasil não podia continuar uma simples colônia, foi elevado à categoria de Reino Unido ao lado de Portugal e do Algarve.
A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede do governo português não por sua infra-estrutura, mas pela localização geográfica e maior distância do cenário da guerra, possuindo facilidade de comunicação marítima com a África e a Ásia.
Salvador, por exemplo, em termos estruturais, estava muito mais preparada.
Apesar de ser já a capital do Brasil e das reformas implementadas pelo Marquês do Lavradio, o Rio de Janeiro não tinha a menor condição de servir de capital ao Império marítimo português.
Influenciado por seus conselheiros, o príncipe regente remodelou a cidade, calçando as ruas e criando uma rede de iluminação pública.
Dentro deste contexto, procurou também modificar o ambiente cultural no Brasil, abrindo os portos brasileiros, em 1808, aos navios de todas as nações.
Uma medida que envolveu outras questões que não apenas a cultural obviamente, mas o que atraiu um bom número de intelectuais estrangeiros que foram responsáveis por um enorme salto no campo educacional.
Além disto, em 1816, sob a influência de Antônio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca, intelectual de orientação francesa, D. João organizou a vinda de uma missão francesa composta por intelectuais para o Brasil.
Como a França estava envolta em uma agitação social sem precedentes, herdada da revolução francesa, tendo os franceses sido derrotado pelos ingleses por esta altura, o Conde da Barca, encarregado de selecionar os intelectuais que seriam escolhidos, não teve o menor problema para encontrar gente que havia antes apoiado Napoleão e que estava disposta a vir para o Brasil.
Para estes intelectuais franceses, o convite representou a possibilidade de escapar de represarias do novo governo que estava sendo formado na França.
Na chamada missão francesa, vieram intelectuais e artistas que seriam responsáveis por uma mudança radical na cara do Rio de Janeiro.
Eles fizeram escola, formando um grupo de intelectuais brasileiros que seriam vitais dentro do sistema educacional do Brasil durante o Império, inclusive, acabando gradualmente com a falta de professores que estava em voga aqui.
Entre outros, fizeram parte da missão francesa:
Joachim Lebreton, considerado como o chefe da missão, que antes fora um dos organizadores do Louvre e, ao se recusar a devolver obras pilhadas nas campanhas de Napoleão, havia caído em desgraça, trazendo consigo para o Brasil cinqüenta e quatro telas do Louvre, que mais tarde acabaram sendo perdidas por apodrecerem.
Auguste-Marie Taunay, um famoso escultor que iria se notabilizar como professor de artes e formar inúmeros artistas brasileiros.
Grandjean de Montigny, um grande arquiteto responsável pela construção de belos edifícios que serviram de sede a órgãos do Estado.
Os pintores Charles Pradier e Jean Baptiste Debret, responsáveis pela retratação do Brasil daquela época e também de parte do período Imperial.
E os gravadores e escultores Marc e Zéphyrin Ferrez, responsáveis pela criação da estampa da primeira moeda brasileira.
Sob influência das quarenta e seis pessoas que vieram na missão francesa, foram criados diversos órgãos e departamentos de Estado, tal como Academia de Belas Artes.
No entanto, depois que a academia começou a funcionar, intrigas internas, acusações do embaixador francês no Brasil de serem os artistas subversivos e contrários a monarquia, além do ciúme dos artistas brasileiras, praticamente expulsou quase todos os franceses.
Alguns deles voltaram para a França e outros permaneceram no Brasil como professores particulares, dando inicio a uma tradição que se perpetuaria durante o Império.
Apesar do ar abobalhado de D. João VI e da missão francesa, em certa medida, ter fracassado depois de alguns anos, o fato é que a vinda da corte para o Brasil gerou a fundação de instituições de nível superior, antes inexistente.
Para além da Academia de Belas Artes, foram criadas no Rio de Janeiro a Academia da Marinha, a Academia Real Militar, uma Escola anatômico-cirúrgica e médica, um curso de Agricultura e a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios.
Na Bahia, em Salvador, foram fundados o curso de Cirurgia, a cadeira de Economia, o curso de Agricultura, o curso de Química e o curso de Desenho técnico.
Durante o governo de D. João foram estabelecidas ainda, no Rio de Janeiro, quatro instituições que iriam estimular as ciências no Brasil: o Jardim Botânico, um observatório astronômico, um museu da mineração e um laboratório químico.
No ensino elementar e médio, nenhuma mudança foi feita, mas, apesar das instituições criadas terem sido fundadas principalmente para dar emprego aos nobres e intelectuais que tinham vindo com D. João de Portugal, a fundação de instituições de nível superior e de cunho cientifico iriam formar um quadro de homens capacitados a exercerem a profissão docente.
O período joanino facilitou as mudanças que seriam implantadas depois da independência do Brasil.
O grande legado do governo de D. João VI para o ensino elementar e médio foi a criação da Imprensa Régia.
O primeiro livro editado foi a Riqueza das Nações de Adam Smith, passando a editar também um jornal diário, chamado a Gazeta do Rio de Janeiro.
Ato que foi acompanhado da extinção da proibição da imprensa no Brasil, o que culminou imediatamente com a fundação de tipografias particulares no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
Os livros, antes de difícil acesso, por serem muito caros, uma vez que necessariamente importados, ficaram mais acessíveis, facilitando, em alguns casos, o autodidatismo nas províncias mais distantes e periféricas.
Devemos notar que, apesar da importância que tiveram as mudanças implantadas por D. João VI, todas as medidas e instituições serviram somente a elite e tiveram como objetivo formar uma casta dirigente brasileira.
Algo que, em certa medida, contraditoriamente, foi um responsável pelo fomento da luta em prol da independência.
Destarte, D. João VI foi obrigado a partir para Portugal, em um momento em que seu trono estava ameaçado por lá caso não voltasse.
Deixou seu filho como regente, o príncipe D. Pedro I, o qual teria, em um lampejo de sabedoria, pouco afeito ao seu caráter, pressentido que as medidas tomadas por ele mesmo terminariam fazendo o Brasil se separar de Portugal.
Na verdade, um contexto gradual que se iniciou ainda no período colonial, tanto que, ao partir, D. João teria dito a D. Pedro: “Se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”.


A independência e a consolidação das reformas no ensino.
Em 1822, o Brasil ficou independente pelas mãos de um príncipe português, mas não sem luta, ao contrário do que muita gente imagina.
De qualquer modo, consolidada a independência, D. Pedro I convocou a Constituição da mandioca, assim chamada porque só poderiam votar, para eleger representantes, aqueles que possuíssem uma renda equivalente a cento e cinqüenta alqueires de mandioca, de forma que o número de eleitores foi restrito, pois poucos tinham estas posses.
Esta Assembléia Constituinte deveria, entre outras coisas, elaborar as leis que passariam a organizar o sistema educacional brasileiro.
A assembléia não tardou em entrar em choque com o Imperador, sobretudo porque tencionava limitar seu poder e aumentar a influência da casa nas decisões.
D. Pedro I cercou a assembléia, em 12 de novembro de 1823, com tropas, destituindo seus membros, prendendo alguns deputados, em um episódio que ficou conhecido como a Noite da Agonia.
Em seguida, engavetou a Constituição que estava sendo elaborada e fez ele mesmo uma nova, promulgada em 1824.
As leis que serviriam de base a organização do ensino no Brasil foram tributárias desta Constituição, ficando em vigor, com poucas alterações, até a proclamação da República em 1889.
Não obstante ao fato da educação ter se tornado elitista, seguindo a tendência iniciada por D. João VI, reforçada durante o reinado de D. Pedro II, as leis promulgadas por D. Pedro I tiveram como objetivo formar um sistema educacional popular e gratuito.
A idéia era estimular o desenvolvimento de uma cultural nova, fomentando o sentimento de Nação.
A intenção fracassou não por falta de vontade política, mas pela falta de recursos, pela pobreza do país.
Falta pela altura interesse pelo estudo, gerado por anos de descaso para com a educação, além é claro da tradição mantida entre a elite de mandar os filhos estudarem na Europa, surgida depois das reformas pombalinas.
Pouca ou nenhuma atração era oferecida por algumas profissões que exigiam escolarização em país predominantemente agro-exportador.
No entanto, influenciada pelos ideais da Revolução Francesa, que pregava o acesso a educação garantida a todos, a Constituição de 1824 era cheia de termos vagos e projetos para melhorar as condições do ensino.
Na pratica leis complementares tiveram que ser promulgadas, visando tornar o ensino no Brasil operacional, embora algumas destas medidas contrariassem a própria Constituição.


Ensino privado x educação pública.
Diante da falta de recursos para fazer funcionar o item 32, do artigo 179 da Constituição, que dizia que a instrução primária gratuita deveria ser garantida a todos os súditos do Imperador, foi estabelecida uma lei dando ampla liberdade irrestrita ao estabelecimento de novas instituições de ensino.

O que, na prática, funcionou como um convite à livre iniciativa privada, estimulando a criação de escolas particulares por todo o país, que surgiram no vácuo deixado pelo Estado.

Portanto, na realidade, a nova medida contrariava a Constituição, que alias teria de ser modificada.
Além disto, mesmo a fundação de escolas particulares não garantia um ensino de qualidade, pois o objetivo da iniciativa privada era o êxito financeiro, não existindo uma preocupação em discutir e tentar melhorar as condições econômicas e sociais do país ou ajudar no desenvolvimento nacional.
De qualquer modo, havia a falta de professores nas poucas escolas mantidas pelo Estado, isto não pela falta de profissionais capacitados, porque eles existiam em grande número, graças às instituições fundadas por D. João VI, mas porque os salários eram tão baixos que não atraíam estes profissionais para a carreira docente.
Situação que persistia desde as reformas pombalinas, uma realidade bem diferente das escolas particulares, as quais, oferecendo salários mais altos, não tinham dificuldade em recrutar professores.
Não obstante, as leis e decretos foram considerados eficazes pelos membros da elite e pelos estratos médios, que passaram a deixar de enviar os filhos para a Europa para estudar, optando pelas escolas particulares.


O ensino superior e elementar.
A despeito das melhorias no sistema educacional brasileiro, a elite continuou a clamar por mais instituições de nível superior e novos cursos, ao que o Imperador.
O anseio só foi atendido parcialmente pela lei de 11 de agosto de 1827, criando dois cursos jurídicos, um no Convento de São Francisco, em São Paulo, mais conhecido como a famosa faculdade de Direito do Largo São Francisco, que começou a funcionar em março de 1828, e outro no Mosteiro de São Bento, em Olinda (Pernambuco), instalado no dia 15 de maio do mesmo ano.
Estes dois cursos tiveram grande importância na formação das elites políticas brasileiras e na mentalidade jurídica do Império.
Foram, além disto, centros de irradiação de novas idéias filosóficas, movimentos literários, debates e discussões culturais que interessavam à mentalidade da época.
Mais do que escolas de formação de advogados, constituíram verdadeiras faculdades de filosofia, ciências e letras.
Tendo atendido parcialmente os apelos da elite, o Imperador tentou ampliar o acesso a educação elementar.
Destarte, as escolas básicas se mantiveram, ao longo de todo o Império, acessível a apenas 3% da população, enquanto o índice de analfabetismo nunca foi inferior a 80%.
Uma lei, promulgada em 15 de outubro de 1827, determinou a criação de escolas elementares em todas as cidades, vilas e lugarejos.
Nas povoações mais populosas deveria ser estabelecida uma escola para meninos e outra para meninas, enquanto nas demais zonas o ensino poderia ser misto, isto é para meninos e meninas em uma mesma sala ou escola, tal como antes da reforma pombalina.
Entretanto, o baixo salário dos professores continuava a ser o grande obstáculo ao sucesso desta medida, uma vez que as vagas nunca eram preenchidas.
Faltavam ainda recursos para construir escolas e fornecer material pedagógico.
O Império tentou contornar estas dificuldades, usando espaços cedidos pelos interessados, em geral fazendeiros, aumentando o salário dos professores, como forma de atrair docentes, adotando o método Lancaster de ensino.


O método Lancaster e as implicações de seu fracasso.
Pelo método inglês Lancaster, então adaptado a realidade brasileira, um único professor ficava responsável por um grande número de escolas.
Trabalhava em sistema de rodízio, escolhendo monitores entre os alunos mais adiantados, que ficavam responsáveis pela turma na ausência do professor.

Estes monitores ministravam as lições previamente selecionadas pelo professor, que, quando de sua passagem pela escola, verificava o progresso da turma e tirava as dúvidas.

Como é obvio, este sistema de ensino não tinha grande qualidade e não conseguiu atrair o interesse de muitos alunos, fracassando.
O que levou a promulgação de um ato adicional à Constituição em 1834, descentralizando a organização e administração do ensino elementar e médio, em uma tentativa de tornar mais ágeis as possíveis soluções em âmbito regional e local.
A obrigação de fornecer ensino gratuito passou a ser atribuição das Províncias, ficando a cargo do governo nacional apenas a educação superior e as escolas da cidade do Rio de Janeiro.
Na verdade, a medida não fez mais que oficializar uma pratica que já vinha sendo usada, pois há tempos era discutida e colocada em funcionamento escolas mantidas pelas Províncias, com o objetivo de tornar o ensino mais popular e acessível.
Mesmo em uma Província rica como São Paulo, sendo ela já proeminente graças à riqueza obtida com o café, os professores continuavam escassos, forçando o governo a usar leigos como docentes, os únicos que aceitavam receber os baixos salários.
Os professores licenciados iam lecionar na iniciativa privada.
Ao mesmo tempo, nas escolas públicas, a evasão era grande e a falta de interesse geral, sobretudo em decorrência da baixa qualidade do ensino.
As escolas públicas elementares se tornaram na prática escolas de alfabetização, e alfabetizavam mal e em pequeno número.
No que diz respeito ao conteúdo ministrado no ensino elementar, este continuou praticamente o mesmo que era ensinado no tempo dos jesuítas, ou seja, ensinar a ler escrever e contar, sem obviamente as praticas pedagógicas proibidas por Pombal.


O ensino no governo de D. Pedro II.
Em 1854, D. Pedro II, então já há alguns anos no poder, reformulou o conteúdo ministrado e a própria estrutura do ensino básico.
O ensino elementar passou a chamar-se ensino primário e, apesar de ter duração variável de aluno para aluno, a rigor passou a durar quatro anos, sendo dividido em elementar e superior.

No elementar passaram a serem ministradas as disciplinas de instrução moral e religiosa, leitura e escrita, noções essenciais de Gramática, princípios de Aritmética e sistema de pesos e medidas.

No superior estas mesmas disciplinas se desdobravam dando origem a dez disciplinas, sendo regulamentada a exigência do diploma primário para poder ingressar no secundário.

Alguns anos antes, mais especificamente em 1837, visando criar condições para que a reforma do ensino primário desse certo, havia sido criado no Rio de Janeiro o Colégio Pedro II.
Um centro formado de professores que exigia sete anos de estudo para conferir o diploma.
Esta instituição, segundo o Imperador, serviria de modelo aos governos Provinciais.
No primeiro ano do Colégio Pedro II eram estudadas as disciplinas de história sagrada, português, geografia, aritmética e geometria; no segundo ano, os estudantes se concentravam em português, francês, latim e matemáticas elementares.
O terceiro ano estava baseado em português, francês, latim, matemáticas elementares, aritmética e álgebra; enquanto o quarto tinha as disciplinas de português, francês, latim, geografia e cosmografia, e matemáticas elementares.
No quinto ano, o currículo envolvia português, inglês ao invés do francês, latim, história geral, física e química; já no sexto era estudado alemão, grego, história natural e higiene, retórica, poética e literatura nacional, além de filosofia.
O sétimo e último ano oferecia o estudo de italiano, alemão, grego, português, história literária, filosofia, corografia (que era o estudo da genealogia Real), e história do Brasil. 
Depois de estudarem conteúdos variáveis, embora fragmentados, os estudantes, após os sete anos de estudo, recebiam o grau e a carta de bacharel em letras.
Isto depois de prestarem juramento perante o Ministro do Império, o que dava direito a lecionar para o primário.
Assim, o Colégio Pedro II serviu de modelo para a criação de escolas semelhantes ao atual magistério nas Províncias.
Estas escolas tinham como intenção disponibilizar uma mão de obra que aceitasse os salários pagos pelo Estado e que ao mesmo tempo não tivesse outra opção.
Uma vez que as escolas particulares normalmente não empregavam esta mão de obra, trabalhando somente com pessoal de nível superior, muitas vezes chegando até a importar mão de obra.


Profissão docente e cotidiano feminino.
Até a fundação do Colégio Pedro II, a profissão docente era exclusivamente masculina.
A mulher podia ser tutora, mas nunca uma professora.

Em certa medida a fundação do colégio Pedro II funcionou como um grande estímulo a criação de liceus de caráter técnico.

Só para esclarecer, liceu era o modo como os estabelecimentos de nível médio passaram a ser chamados para distingui-los dos colégios, onde o ensino primário era ministrado.
Estando proibidas de criarem cursos de nível superior, prerrogativa exclusiva do governo nacional, as Províncias passaram a tentar estabelecer liceus onde era dado ênfase em disciplinas como química, física, botânica e agricultura.
Ao invés de acabar com a carência de professores, problema que em parte foi resolvido, começaram a faltar alunos.
Isto porque, mesmo sendo o ensino gratuito, o material didático não era.
Com exceção de uns poucos indivíduos pertencentes aos estratos médios, a maioria da população ou não podia custear o material ou não podia abrir mão do trabalho para se dedicar ao estudo.
Um detalhe interessante, quanto ao ensino médio, é que, depois que foi assumido pelas Províncias, os governos regionais interditaram o acesso feminino, pois tinha-se em mente que não precisavam saber além do que era ensinado na primário.
O ensino médio gratuito para as mulheres é uma conquista que remonta ao final do Império, antes, somente as escolas particulares ofereciam esta modalidade de ensino.
No setor privado, as mulheres eram mantidas em escolas ou salas separadas, seguindo a tradição pombalina.
Recebiam ensinamentos diferenciados, cursando disciplinas ligadas à vida doméstica, a maternidade e a religião, o conteúdo intelectual e científico era uma regalia masculina.


Catolicismo e educação.
É interessante notar que até certa altura a maioria das escolas privadas não estavam vinculadas à igreja católica.
Isto, apesar da fundação de um Colégio particular por padres lazaristas, já em 1820.
Entretanto, a partir de 1845, os jesuítas, cuja ordem havia sido dissolvida pelo Papa por influência de Pombal, depois de terem sua ordem restabelecida, começaram a voltar para o Brasil.
Diferente de antes, uma vez que haviam tido seus bens confiscados pelo Estado ou pela própria Igreja, fundaram escolas particulares, contratando professores profissionais não para lecionarem.
Rapidamente os jesuítas estabeleceram uma rede de escolas tidas em alta conta pela elite.
Eles foram seguidos por outras ordens masculinas e, mais tarde, femininas, que também fundaram colégios e liceus particulares, suprindo em grande parte o vácuo deixado pelo Estado.
A grande maioria destes estabelecimentos existe até hoje, figurando entre os melhores e mais conceituados estabelecimentos de ensino.


Concluindo.
Durante o período Imperial surgiu um sistema dualista, dividido entre a escola pública de qualidade questionável e a particular.
Destarte, depois da Guerra do Paraguai, cuja importância condicionadora do surto econômico e liberal não tem sido devidamente apreciada, os debates sobre a educação tornaram-se mais ativos.
O Império constituiu o grande período preparatório que daria origem as realizações que a República iniciaria.
A guerra do Paraguai ofereceu a primeira oportunidade para os primeiros grandes movimentos de massas humanas no Brasil.
Nas fileiras do exército e a bordo dos navios armados, onde as pessoas se nivelavam na luta e no sofrimento, a luta dos mais pobres pelo acesso a educação começou.
Muitos dos escravos e dos homens comuns revelaram-se tão capazes quanto os jovens oficiais de brasão de armas, desenvolvendo um novo sentimento de igualdade e camaradagem.
O que levou a uma melhor compreensão da realidade brasileira e a identificação do sistema educacional como uma das raízes do atraso do Brasil.
Dentro deste contexto, surgiu uma nova mentalidade que culminou com o projeto Rodolfo Dantas em 1882.
Onde pela primeira vez no Brasil, ao se tentar planejar a educação, não se perdia de vista o fato de que a institucionalização educacional estava em relação estreita com o desenvolvimento da sociedade e com os seus recursos econômicos e financeiros.
O projeto levava em conta a necessidade de cooperação dos poderes gerais na obra múltipla e imensa do ensino, recomendava a criação de novas Universidades e cursos para que pudessem formar profissionais que atendessem a demanda por professores nas escolas primárias e secundárias.
Por sua vez, deveriam ser fundadas mais escolas para facilitar o acesso das camadas menos favorecidas.
Além da atenção especial a formação de professores, o projeto recomendava que fosse feita uma reformulação das disciplinas ministradas, visando torná-las mais integradas umas com as outras e com o mundo pós-revolução industrial.
No entanto, o projeto nunca chegou a ser posto em pratica, antes que se quer isto fosse cogitado, a monarquia caiu e foi proclamada a República.
Caberia ao governo republicano se inspiraria em muitas das recomendações presentes no dito projeto ou mesmo no resultado dos debates em torno dele.


Para saber mais sobre o assunto.
GÓES, José Roberto de & FLORENTINO, Manolo. “Crianças escravas, crianças dos escravos” In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. Op. Cit., p.177-191.
HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo, EDUSP, 1972.
MAUAD, Ana Maria. “A vida das crianças de elite durante o Império” In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. Op. Cit., p.137-176.
VENANCIO, Renato Pinto. “Os aprendizes da guerra” DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. Op. Cit., p.84-106.


Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

3 comentários:

  1. ...muito interessante esses temas sobre educação em seu blog,me faz refletir mais sobre o assunto...tenho acompanhado o seu blog e fico satisfeita com os temas abortados,encontro assuntos interessantes,facil de compreender.
    Encontrei uma leitura agradável também em seu livro"por mares nunca dantes navegados"confesso que fiquei com muita vontade de conhecer portugal,em especial os lugares citados no livro,quem sabe minha próxima aventura, algumas pessoas nascem com o dom de escrever,vc é uma dessas pessoas parabéns.abraços

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  2. Agradeço imensamente o acompanhamento assíduo da leitora.
    Forte Abraço.

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  3. Me ajudaram bastante em meu trabalho escolar ;)

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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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