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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Política e administração colonial: o Império Marítimo lusitano no Brasil.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 02/09, 2010.


Introdução.

Existe hoje uma intensa discussão sobre o uso do termo “América portuguesa” em oposição a “Brasil Colônia”, uma questão semântica para alguns e metodológica para outros.

Em todo caso, envolve a contestação da ideia de Império Marítimo lusitano e a negação de uma dinâmica administrativa integrada por parte da Coroa portuguesa.

O antagonismo de tratamento diz respeito principalmente a posturas e posicionamentos em relação à inserção do Brasil no conjunto dos domínios portugueses.

O debate tem se alimentado de diferentes argumentos, alguns deles marcados por intenso relativismo, como o apresentado por Fernando Novais, que aponta o “anacronismo” do uso do termo “Brasil Colônia”, pois “não podemos fazer a história desse período como se os protagonistas que a viveram soubessem que a Colônia iria se constituir, no século XIX, num Estado nacional”.

Laura de Mello e Souza argumenta que o termo “Brasil Colônia” refere-se a uma totalidade que não estava constituída naquele momento, que era “alheia à realidade das pessoas que viviam no território que hoje é o Brasil”, pois o que o marcava era a fragmentação, como na América espanhola, dividida em vice-reinados.

Embora também preocupada com o mesmo tipo de anacronismo apontado por Novais, a autora introduz, no entanto, uma questão importante que é a da fragmentação, que impediria, evidentemente, a ideia de Brasil colonial como totalidade.

Ronaldo Vainfas também toca na questão, mas com um esclarecimento particular que, não raro, passa despercebido, isto é, de que o termo “América portuguesa” denomina um espaço e não necessariamente substitui a ideia de temporalidade presente no termo “Brasil colônia”.

Ocorre que a discussão sobre o uso ou o abandono deste ou daquele termo não se restringe à idéia de anacronismo tal como apontada pelos autores citados.

Constitui uma questão historiográfica mais profunda, relacionada ao próprio entendimento das características dos domínios portugueses no continente americano e de suas formas de inserção no conjunto mais amplo, incluindo os domínios africanos e asiáticos, além do próprio Portugal.

Aborda, portanto, a ideia de Império, defendida amplamente pelos historiadores portugueses e iniciada entre nós brasileiros por Caio Prado Junior.

Para quem o termo “Brasil Colônia”, enxergado não mais como meio de legitimação da origem nacional, tal como o fora para os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, denota a formação de um sistema político e administrativo sustentado pela relação desigual entre metrópole e colônia.

Neste sentido, a ideia de uma América portuguesa ganha outros contornos, demonstrando que unidade e fragmentação, dependência e autonomia, exploração e integração são algumas das problemáticas que alimentam essas reflexões.

No entanto, soa quase como a negação de que o Brasil no período colonial fosse, na prática, administrado como uma unidade integrada a um amplo conjunto, gerenciado por uma política unitária.

É verdade que no Brasil nunca existiu um império contínuo do ponto de vista geográfico e cultural, inclusive dada à realidade plural do contexto colonial.

Mas, ousamos afirmar que, analisado em termos administrativo e político, o Brasil foi apenas um dos componentes do Império Marítimo lusitano, fez parte de um amplo projeto evolvendo esforços coordenados que só puderam ser levados a termo por uma nação que adotou uma postura imperial.

Cabe lembrar que o conceito de império envolve o exercício do poder hegemônico através de espaços geográficos, sem necessariamente estar restrito a fronteiras territoriais soberanas, englobando fluxos de pessoas e mercadorias pela área de influencia, canalizados em beneficio das elites dirigentes do império.


A inserção inicial do Brasil no Império.

Depois do pseudo descobrimento do Brasil, entre 1500 e 1530, não houve interesse por parte da Coroa portuguesa em explorar as potencialidades do território brasileiro, como testemunha a célebre carta de Pero Vaz de Caminha, onde, se por um lado a qualidade do solo foi exaltada, por outro, os lusos enxergaram no Brasil não mais que uma “pousada pera (...) navegaçom de calecut”, ou seja, uma escala em potencial para a Índia.

O que se explica facilmente pelo fato de não haver na América nada economicamente estruturado.

É verdade que no Brasil, como assinalou Caminha, as terras eram de uma fertilidade tal que “querendo a aproveitar dar se a neela tudo”.

Entretanto, com a Índia ao alcance das naus de Portugal, onde era suficiente controlar alguns pontos estratégicos para ter o domínio sobre um comércio já estabelecido e sustentado por uma produção que não dependia da força de trabalho portuguesa, tentar cultivar as novas terras no Brasil parecia muito dispendioso.

Assim, inicialmente, o projeto imperial lusitano, nas primeiras décadas do século XVI, quando os lusos eram senhores do Atlântico e do Índico, envolvendo a obtenção de lucros através da intermediação comercial de especiarias orientais, principalmente pimenta do reino, relegou ao Brasil um papel secundário: prestar apoio logístico aos navios que demandavam a Índia.

Enquanto, por sua vez, a África, ainda não utilizada como meio de obtenção de mão de obra escrava, estava inserida no império como fornecedora de pimenta malagueta, principal produto intermediado pelos portugueses para a Europa em alternativa a pimenta importada da Índia, este último um condimento com custo mais elevado e maior valor de venda junto ao mercado consumidor europeu em oposição à popular malagueta.

Seja como for, a presença portuguesa na América nas três primeiras décadas de quinhentos, para além do patrulhamento contra os piratas franceses que infestavam o litoral brasileiro em busca do cobiçado pau-brasil, tencionava mapear a costa através das viagens de exploração para garantir a segurança das embarcações da Carreira da Índia quando necessitassem se aproximar do litoral para reabastecer.

Uma estrutura administrativa foi montada, centralizada na “Casa da Índia”, criada em Lisboa em 1503, para organizar o comércio oriental e o suporte logístico aos navios da Carreira da Índia, responsável pela identificação de pontos que pudessem servir à instalação de entrepostos de troca com os nativos no Brasil e, futuramente, ao estabelecimento de estaleiros que dessem conta de reparar os navios que necessitassem de auxílio.

Esta dinâmica administrativa garantiu que circulassem na Carreira da Índia, entre 1500 e 1530, 325 embarcações, enquanto na rota do Brasil estiveram presentes 67 navios, embora a grande maioria das embarcações da Carreira da Índia tenha feito escala, sobretudo a ida, no Brasil.

Todavia, visando fixar povoações que pudessem auxiliar os navios da Carreira da Índia, a partir de 1530, com a missão de Martim Afonso de Sousa e o incentivo à colonização do território por meio da instauração do regime de Capitanias Donatárias, iniciou-se um movimento que pouco a pouco iria terminar por alterar o eixo econômico e social do império do oriente para o ocidente.


A implementação de uma estrutura administrativa autônoma.

Apesar do marasmo verificado nas três primeiras décadas do século XVI, a partir de 1530, o movimento de embarcações na rota do Brasil começou a ganhar certa freqüência e periodicidade, tornando-se uma rota efetivamente, embora não tenha sido estabelecida uma Carreira propriamente dita.

Os tremores de terra iniciados em 1522, conhecidos popularmente à época como o dilúvio, atingindo a economia rural das ilhas do atlântico norte, seguidos de uma terrível peste, quando então o principal prejudicado foi o arquipélago dos Açores, canalizou a migração lusitana para o Brasil, conduzindo a Coroa a implementar a estrutura das capitanias donatárias, cuja real função, inicialmente, era garantir a posse do território que melhor se adequava à escala das embarcações da Carreira da Índia.

Enquanto a grande maioria dos capitães donatários fracassou em meio à hostilidade dos nativos e a carência de recursos financeiros; os engenhos de açúcar da capitania de Pernambuco começam a prosperar e a despertar o interesse da Coroa, possibilitando um lucro de 200% sobre o capital investido.

Não obstante, foi somente depois de 1540 que se iniciou um ensaio do que se tornaria o sistema administrativo que passaria a nortear as relações mercantilistas: estruturas autônomas, vinculadas ainda com as necessidades da “Casa da Índia” e, devido à introdução da mão de obra escrava africana, também com a “Casa da Guiné e da Mina”, mas subordinadas a uma política comercial de intermediação de produtos das colônias para a Europa.

Durante toda década de 1540, para além das armadas de patrulhamento, segundo o “Roteiro geral com largas informações de toda a costa do Brasil”, redigido em 1587, chegaram ao Reino, vindas da capitania de Pernambuco, arrendada por 10 anos a Duarte Coelho, a “cada anno (...) 40 e 50 naos carregadas de açuquar, e pau do Brasil”, tendo sido a Capitania arrendada, dado os “proveitos” obtidos em favor da Coroa, por mais 10 anos ao seu capitão donatário, período no qual continuaram a ser enviadas o mesmo número de embarcações anualmente “com pouca despeza e menos trabalho”.

Os lucros com o açúcar brasileiro, em oposição a uma drástica queda na antes elevada lucratividade oferecida pela pimenta da Índia, conduziram a centralização da estrutura administrativa montada para coordenar os interesses do Estado, primeiro, em Salvador e, posteriormente, no Rio de Janeiro.

Todo o açúcar produzido, até mesmo por Pernambuco, e pau-brasil extraído de todas as capitanias, passou a ser transportado em pequenas embarcações até a Bahia, onde a mercadoria era acumulada, enquanto aguardava a chegada do navio anual trazendo do reino mais colonos, armas, munições e produtos manufaturados, retornando para Portugal com produtos da terra.

A estrutura administrativa manteve-se autônoma e fragmentada, incluindo não apenas o governo das capitanias, mas também instituições que interferiram com os negócios de Estado, tal como as ordens religiosas.

No entanto, a despeito de mesmo antes já existir uma limitação desta autonomia conforme os interesses do Império Marítimo lusitano, englobando uma dinâmica sistêmica ampla; passou a existir uma tendência de centralização política-administrativa.


A centralização da estrutura administrativa.

A verdadeira centralização administrativa do contexto colonial brasileiro aconteceu depois do período da União Ibérica, a restauração da independência portuguesa em 1640, quando a dinastia de Bragança subiu ao trono, libertando Portugal do julgo espanhol, forçou a Coroa a intensificar a opção pelo incremento do Brasil dentro do âmbito imperial.



Decidido a reconquistar a parte do território brasileiro ocupado pelos holandeses, em 1642, D. João IV criou o Conselho Ultramarino, cuja função teoricamente seria informar o rei sobre os assuntos do Brasil e demais possessões, emitindo pareceres.



Na prática, o Conselho Ultramarino terminou se tornando um verdadeiro ministério, superintendendo quatro outros Conselhos: o da Consciência (para os assuntos eclesiásticos); o da Fazenda (responsável pelo controle financeiro); o de Guerra (criado em 11 de dezembro de 1640); e o de Estado (criado em 1645 para cuidar dos negócios gerais).

O Conselho centralizou as decisões administrativas, implantando uma política de incremento da ocupação do Brasil como colônia fornecedora de produtos que pudessem render dividendos ao Estado, subordinando toda a estrutura do Império Marítimo lusitano a esta nova diretriz, culminando com o encolhimento das possessões portuguesas na África e na Ásia, uma tendência iniciada em decorrência da União Ibérica.

Dentro deste contexto, por exemplo, todo o movimento de embarcações na Carreira do Brasil foi centralizado em Salvador e no Rio de Janeiro, subordinado a “Alfândega e Casa da Arrecadação”.

Esta política foi intensificada em 1649, quando inspirado em uma sugestão do Padre Antônio Vieira, o rei obrigou um grupo de ricos judeus a fundarem a Companhia Geral do Comércio do Brasil, assumindo a administração do transporte de cargas e pessoas entre o Brasil e Portugal, uma operação que durou até 1720.

Depois do declínio da primazia do açúcar dentro do contexto do ciclo das especiarias, poucos anos antes do grande terremoto de 1755, Pombal modificaria a estrutura político-administrativa novamente, tornando inegável o vinculo das decisões dentro do âmbito das relações colônia/metrópole, mas esta já é outra história.


Concluindo.

O conceito de império é sem dúvida amplo e polissêmico, mas é inegável que, seja qual for a definição, caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de fronteiras, pelo poder exercido sem limites na totalidade de um determinado espaço geográfico.

O que remete a um centro hegemônico que irradia ordens e canaliza a estrutura administrativa, conforme uma orientação política que beneficie este centro.

Em oposição, remetendo também a unidades, onde certa autonomia pode ser admitida, subordinadas ao sistema administrativo do centro hegemônico.

Assim, pensando o Brasil isoladamente, de fato fica difícil visualizar um Império Marítimo lusitano.

Porém, observando o contexto colonial brasileiro, integrado a postura comercial portuguesa, torna-se inegável que o Brasil foi uma colônia vinculada a uma sistemática administrativa imperial ampla, unida e separada pelos oceanos, respeitando a especificidade de cada realidade, tal como seria também o Império Britânico.

Mesmo quando o Brasil esteve relegado ao ostracismo colonial, nunca deixou de servir aos interesses do Estado português e a sua autovisão de império, conceito herdado a partir do século XV e das tentativas lusitanas de conquista de pontos estratégicos no norte da África, a despeito da influencia do ideal cruzadístico.

O Brasil serviu de apoio e ligação com a Índia, esteve integrado a uma política nítida de construção de um Império Marítimo.


Conforme foi conquistando seu lugar ao sol no rol do aproveitamento comercial de suas potencialidades, ganhou estruturas administrativas autônomas, mas, simultaneamente, subordinadas as orientações de instituições que representavam as necessidades econômicas e sociais do Império lusitano.


Por fim, terminou servindo como periferia geradora de riquezas para a metrópole, espelhando uma típica relação mercantilista e subordinado a estrutura administrativa necessária para a manutenção da saúde do centro do império.

O que leva a pensar e concluir que talvez seja mais adequado tratar a distinção entre “América portuguesa” e “Brasil colônia” como uma questão semântica, já que a negação de um contexto vinculado ao Império Marítimo ultramarino lusitano é inviável.


Para saber mais sobre o assunto.

ALBUQUERQUE, Luís de (dir.). Dicionário de história dos descobrimentos portugueses. Lisboa, Caminho, 1994.

ALBUQUERQUE, Luís de (coord.). Portugal no Mundo. Lisboa, Ed. Alfa, 1989.

ARAÚJO, Carlos & CLANDEIGNE, Michel (dir.). Lisboa e os descobrimentos, 1415-1580: a invenção do mundo pelos navegadores portugueses. Lisboa, Terramar, 1990.

ARRUDA, José Jobson de Andrade. O Brasil no comércio colonial. São Paulo, Ática, 1980.

BOXER, Charles Ralph. O império marítimo português. Tradução do inglês de Inês Silva Duarte, Lisboa, Edições 70, 1969.

CARREIRA, António. As Companhias Pombalinas: de Grão-Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba. Lisboa, Presença, 1982.

FREITAS, Gustavo. A Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1720). São Paulo, Coleção da Revista de História, 1951.

LAPA, José Roberto do Amaral. O Sistema Colonial. São Paulo, Ática, 1994.

NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo, Hucitec, 6.º edição, 1995.


Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



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Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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