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domingo, 19 de setembro de 2010

Peronismo – Parte 1: introdução ao fenômeno.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 19/09, 2010.


Introdução.
Assim como no Brasil tivemos uma ditadura na década de 1930, muitas vezes lembrada como de direita, quando Getúlio Vargas implantou o Estado Novo, na Argentina Juan Perón também esteve à frente de uma ditadura responsável por inúmeras atrocidades e atos de puro arbitrarismo.
Por esta razão, ao longo dos anos, o peronismo, enquanto fenômeno controverso e polêmico que foi e continua sendo, recebeu as mais diversas denominações: desde fascista até messiânico.

Seduziu tanto a direita como a esquerda.

No entanto, foi classificado pelos historiadores não como fenômeno político de caráter fascista, mas sim como populista.

Aliás, o peronismo deve ser enquadrado como fenômeno populista porque se encaixa na conceituação de populismo.
De acordo com Ernest Laclau, o traço comum a todo fenômeno populista seria ter surgido “historicamente ligado a uma crise do discurso ideológico dominante que, por sua vez, parte de uma crise social mais geral”.
Entendendo este conceito como uma crise particularmente grave no bloco de poder, que levaria uma de suas frações a tentar estabelecer sua hegemonia através da mobilização das massas, e a uma crise do transformismo, de fato o peronismo foi populista.
O que não significa de modo algum fascista.
Segundo os sociólogos argentinos Gino Germani e Torcuato di Tella, o populismo seria um processo de transição da sociedade agrária e pré-capitalista para a sociedade moderna e industrial.
Uma conceituação em concordância com a firmação Maria Lígia Coelho Prado, que termina por acatar uma afirmação desenvolvida por Francisco Weffort.
Para os quais existe uma ressalva, pois o populismo seria um fenômeno político que teria assumido muitas facetas e que por isto difícil de ser conceituado em forma de conjunto de movimento que englobe toda sua diversidade.

Será que o peronismo não foi realmente um movimento fascista.
Para que possamos afirmar com convicção que o peronismo não foi um regime totalitário fascista, cabe perguntar o que foi o fenômeno nazifascista na Europa.
Não poderia ser este caracterizado como uma crise social gerada por incompatibilidades ideológicas?
O período nazifascista europeu, apesar das barbáries cometidas principalmente na Alemanha, não pode ser definido como uma fase de transição modernizante?
E ainda, considerando o populismo como tendo assumido muitas facetas, como pretende Maria Lígia Coelho Prado, o que teria impedido este movimento argentino de ter assumido um caráter fascista?
Para tentar responder estas questões, antes é necessário entender o âmago do que constituiu o peronismo.
Uma questão complicada que tentaremos abordar ao longo de algumas das próximas postagens.

Os vínculos entre peronismo e nazismo.
Segundo a biografa de Evita Perón, Alicia Dujovne Ortiz: “Perón considerava que o nazismo havia cometido excessos nos campos de concentração, mas que mesmo assim era uma saída”.
No entanto, poderia ser argumentado que populismo e fascismo ou nazismo são três fenômenos bem distintos.
Encontramos uma resposta a este objeção através de Umberto Eco, para quem “há várias maneiras de ser fascista sem que se mude o nome do jogo”.
Poderia ser ainda contra-argumentado que o peronismo não poderia ser denominado como fascista, por estar livre de certos traços presentes na ideologia nazifascista.
Porém, na opinião de Umberto Eco, “o termo fascismo tornou-se universalmente aplicável por que é possível eliminar de um regime fascista um ou dois traços sem que ele deixe de ser fascista”.
Disse Eco em um colóquio organizado em 24 de abril de 1995 pelo departamento de italiano da Columbia University:
 “Apesar de sua natureza difusa, creio ser possível esboçar uma lista de traços típicos daquilo que gostaria de chamar protofascismo ou fascismo eterno”.

Os traços básicos que identificariam o protofascismo seriam:
1a. O culto à tradição.
2a. O culto a tecnologia e a modernidade.
3a. O irracionalismo do culto da ação pela ação.
4a. O ato de fazer calar toda critica, pois desacordo é traição.
5a. Alcançar o consenso explorando o medo da diferença.
6a.  O fortalecimento a partir da frustração social ou individual, apelando do fascismo sempre a uma categoria humilhada política e economicamente.
7a. O nacionalismo.
8a. O sentimento de sentir-se humilhado perante um inimigo interno ou externo.
9a. A substituição do sentimento de luta pela vida por uma vida pela luta.
10a. O elitismo.
11a. O culto ao herói, representado pela figura do líder.
12a. O conservadorismo moral.
13a. O populismo qualitativo, as decisões da maioria devem ser aceitas por todos, embora quase sempre tais decisões beneficiem apenas alguns.
14a. A simplificação da linguagem, dizendo-se social ou nacional socialista, embora realmente não o seja.

Para que fique claro o que Umberto Eco diz ao empregar o termo protofascismo ou fascismo eterno, devo acrescentar que pode ser definido como um tipo de fascismo comum a toda e qualquer uma de suas versões.
Grosso modo, este fascismo comum seria um miolo básico a partir do qual seria construído um tipo de regime totalitário que atendesse a realidade concreta de cada país em especifico.
Desse modo o fascismo teria se desenvolvido de uma maneira na Alemanha, de outra na Itália, bem como na Espanha.
No caso da Alemanha centrando na questão racial, transformando assim o fascismo em nazismo. 

Pensando na Itália concentrando toda construção ideológica no campo do apelo ao patriotismo e na vontade popular de uma volta aos tempos da Roma Antiga.
Já no caso da Espanha de Franco, atendendo anseios que deram uma resposta, imediata e radical: a revolução popular.
Assim, porque o peronismo não se enquadraria como protofascismo?

Populismo peronista ou fascismo?
Na realidade, o peronismo deveria ser classificado como fenômeno fascista e não populista.
O populismo é apenas mais uma característica do protofascismo argentino.
Isto porque o peronismo é apenas uma versão de fascismo construída sobre o germe do protofascismo ou fascismo eterno.
É verdade que desenvolveu características próprias e em consonância com a realidade argentina, mas nem por isso deixou de constituir uma forma de fascismo.
Possui internamente em sua estrutura características tipicamente protofascistas, por isso mesmo manteve afinidades com outras versões de fascismo.
É verdade que qualquer análise dos chamados movimentos nacional-populares na América Latina conduziria a conclusões parecidas.
Não obstante, o getulismo, por exemplo, era de ordem oportunista.
Jaime Pisky demonstrou através de um artigo publicado na França que os discursos de Getúlio Vargas mudavam de orientação conforme os rumos da política caminhavam.
Embora durante o Estado Novo tenha existido um forte vinculo com os operários, vistos como massa de manobra, uma característica marcante no modelo fascista, no governo de Getúlio Vargas o componente ideológico não era rígido.
No contexto do peronismo, a ideologia de cunho fascista esteve presente do começo ao fim, modificando-se para se adaptar às exigências dos novos tempos, sem abandonar as convicções centrais do movimento.




Duvidas e questionamentos.
A despeito de parecer à primeira vista fácil categorizar o peronismo como fascista, sem responder algumas questões, os argumentos são ainda fracos.
Para realmente esclarecer se o peronismo foi um fenômeno de caráter populista ou fascista, é necessário desmontar o seu “miolo” ideológico do peronismo.
 O que implica estudar como o peronismo surgiu e ganhou força, justamente entre certos setores da sociedade argentina que se sentiam ameaçados pelo pseudo perigo do comunismo.
Inclusive a exemplo do que havia ocorrido com o surgimento do fascismo na Itália, na Alemanha e na Espanha.
Dentro deste contexto, o fascismo na Argentina, como no restante do mundo, surgiu como uma resposta radical da sociedade, ameaçada com a perda de privilégios.
Tal e qual havia ocorrido, por exemplo, na Espanha com o franquismo.
Sendo Pierre Broué defende que a implantação do fascismo na Espanha foi motivada pelo medo de uma revolução popular, o que fez com que certos setores da sociedade mais abastados terminassem optando por apoiar Franco.
Podemos conjecturar que na Argentina, existiram condições semelhantes que terminaram fomentando regimes fascistas.
Tanto Espanha como Argentina, eram na época países tipicamente agrários e extremamente atrasados.
Foi em países que constituíram os elos mais fracos do capitalismo que as revoluções se tornam inevitáveis, muitos dos quais optarem por regimes fascistas, embora outros tenham caminhado no sentido oposto, ou seja, para a esquerda.
O fascismo constituiu uma forma radicalizada de capitalismo.
Talvez por isso uma das metas de todo e qualquer fascismo seja o culto a tecnologia, e portanto, uma tendência modernizante.
Um artifício para eliminar a tendência inevitável de uma revolução popular de cunho esquerdista que nasce das contradições inerentes as desigualdades do mundo capitalista. 

Para saber mais sobre o assunto.
Acompanhe os próximos artigos que serão publicados na revista.

Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



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Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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