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sábado, 4 de setembro de 2010

A participação brasileira na 2º. Guerra Mundial: um novo olhar.

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume set., Série 04/09, 2010.


Introdução.

A participação brasileira na 2º. Guerra Mundial é, na maior parte dos casos, descrita pela historiografia como limitada, circunscrita a um papel periférico e pontual.

O que é também registrado com veemência nos livros didáticos adotados no ensino fundamental e médio.

No entanto, a entrada do Brasil na guerra foi fundamental para alterar o equilíbrio hegemônico entre o Eixo e os Aliados, influindo diretamente no desenrolar do conflito.
Tivesse o Brasil optado por inserir-se na guerra ao lado da Alemanha, podemos arriscar conjeturar, os resultados seriam catastróficos para os norte-americanos e seus aliados.

O Brasil serviu de posto avançado para os norte-americanos deslocarem seus aviões, sem a base de Natal, por exemplo, a logística dos EUA teria sido imensamente prejudicada.

Além disto, os recursos naturais brasileiros serviram de matéria prima essencial ao esforça de guerra norte-americano.

Isto para não mencionar a participação da Força Expedicionária Brasileira lutando contra os nazistas na Itália, quando mais de 25.000 soldados ajudaram a libertar o povo italiano do domínio alemão.


A quem interessa diminuir o papel do Brasil no conflito?

Os historiadores ainda não investigaram adequadamente a questão da minimização do Brasil no panorama internacional da época da 2º. Guerra Mundial.

O que, igualmente, conduz perguntar por que a sociedade brasileira insiste em manter um relativo esquecimento sobre os sucessos obtidos pela FEB na Europa.

Enquanto outras nações retratam em super produções do cinema o que passaram na guerra, no Brasil nossos cineastas preferem enaltecer o crime e fazer apologia da violência do Estado contra a população marginalizada pela pobreza.

Precisamos de heróis, mas ao contrário dos norte-americanos, não construímos imagens positivas daqueles que deram a vida pelo país.

Cabe perguntar por que e como se configurou esta memória distorcida, outro ponto de suma importância ainda a ser esclarecido.

Por outro lado, contraditoriamente, em outro sentido, existe uma tendência historiográfica em hiper-dimensionar a vitória da FEB na Itália, transformada em marco da democratização brasileira e da modernização das forças armadas.

Justamente os mesmos fatores que relegaram a participação brasileira na 2º. Guerra Mundial a plano inferior, não permitiram a alegada modernização das forças armadas brasileiras e tampouco o fomento de um espírito democrático no Brasil.

Retornando a pátria, os pracinhas que lutaram na Itália foram rapidamente desmobilizados.

O que poucos sabem é que, dentre o contingente de mais de 25.000 homens enviados para lutar na Itália, apenas 1.500 foram voluntários, os outros foram convocados dentre reservistas.

Os militares que já estavam na ativa na época em que a guerra contra o Eixo foi declarada, usando de vários meios ilícitos, deram um jeito de escapar de servirem na Europa.

Estes mesmos militares, quando os pracinhas da FEB retornaram ao Brasil, não tinham interesse em que estas pessoas permanecessem nas forças armadas, daí a desmobilização rápida.

Assim, os pracinhas da FEB não participaram da renovação das forças armadas.

É verdade que o exercito, areonáutica e marinha receberam equipamentos norte-americanos e apreendidos do Eixo para modernizar seus equipamentos, mas a mentalidade dos militares continuou a mesma da época da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Pessoas poderiam ter renovado o quadro das mentalidades e não equipamentos.

Tanto que seriam os efetivos destas forças armadas que, algumas décadas depois, estariam por trás da implantação da ditadura de 1965.

Os ex-combatentes brasileiros que poderiam de fatio ter renovado as mentalidades dentro das forças armadas foram marginalizados pelo Estado e lembrados apenas nos desfiles de 7 de setembro.

Muitos tiveram problemas para se reintegra a vida civil e serem aceitos pela sociedade, inclusive, enfrentando problemas para conseguir receber suas pensões de ex-combatentes da FEB.

Uma questão que só recentemente vem despertando a atenção dos acadêmicos, porém, que resta ainda a ser melhor esclarecida e divulgada perante o grande público.


É possível conhecer a verdade?

A bibliografia pertinente a problemática em torno da participação do Brasil na 2º. Guerra Mundial é bastante restrita.

O que, inclusive, justifica e demonstra à diminuição da importância da questão nos meios acadêmicos, uma incomoda lacuna.

No entanto, existem alguns trabalhos emblemáticos que pouco despertaram o interesse dos leigos e dos meios de comunicação, em nada alterando o que nos contam os livros didáticos usados nas escolas brasileiras.
Uma das razões que explicam este fato, para além da própria mentalidade formada sobre a questão ao longo das décadas que vieram após o final da guerra, encontra-se na abordagem compartimentada da temática.

A qual impossibilita uma visão mais ampla que de conta de toda sua magnitude e importância.

Análises pontuais de ex-combatentes, relatando suas experiências na guerra, foram pioneiras, porém, a proximidade dos fatos e ausência de formação especifica na área, certamente distorceu a lembrança do passado vivido, muitas vezes carregado com emoção, impossibilitando encontrar problematizações legitimas na narrativa.

Estamos nos referindo a textos construídos por sujeitos que viveram os fatos, mas que não são historiadores, portanto, não possuem formação adequada para problematizar estes fatos.

A despeito destes relatos atualmente constituírem fontes riquíssimas de pesquisa, desde que observados a luz de técnicas e métodos adequados.

Exemplos de trabalhos que se enquadram nesta situação são as obra do jornalista Joel Silveira, entre as quais: Histórias de Pracinhas, publicada em 1945 pela Companhia Editora Leitura, depois reeditada em 1967 pela Ediouro; As duas guerras da FEB, editada pela Idade Nova Editora em 1965; e O Brasil na 2º. Guerra Mundial, publicada originalmente em 1976, pela Ediouro, com sucessivas reedições.

Joel Silveira foi correspondente de guerra, acompanhando a FEB em sua campanha, como jornalista traçou um panorama ufanista e condizente com a versão oficial dos fatos, defendendo inclusive a idéia de que a participação brasileira na guerra teve como conseqüência a democratização do Brasil e a renovação dos quadros do exercito brasileiro.

Em nossa opinião, estas obras e outras que seguem a mesma linha de raciocínio podem ter contribuído para formar uma mentalidade equivocada sobre a participação brasileira na guerra, especificamente, no sentido de servir aos interesses dos grupos hegemônicos no poder para forjar uma falsa noção de que os soldados veteranos, ao regressarem ao Brasil, foram responsáveis pela queda de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo.


Uma questão a ser investigada.

Por outro ângulo, em 1985, o jornalista William Waack publicou o livro As duas fases da glória: a FEB vista por seus aliados e inimigos, um trabalho que exemplifica como a mídia de grande circulação massificou uma imagem minimizada da participação brasileira na 2º. Guerra Mundial.

Baseado no ponto de vista norte-americano, a partir de relatório de oficiais dos EUA, o autor defendeu a ideia de que a participação da FEB nos combates na Itália foi inexpressiva, não condizente com os relatos de heroísmo narrados pelos ex-combatentes brasileiros em suas memórias.

Já na época da publicação do livro, Waack foi intensamente criticado, mas pelos motivos errados, já que foi alvo do ufanismo dos veteranos de guerra ainda vivos e seus simpatizantes.

Na realidade, o grande problema neste tipo de tentativa de analise histórica, simbolizada pela obra de Waack, é justamente a ausência do domínio do contexto teórico envolvendo a leitura das fontes.

Enquanto por um lado, como lembrou Jean Chesneaux não é possível mesmo ao profissional da história isentar-se completamente dos conceitos presentes em seu próprio tempo.

Por outro lado, toda fonte, quer seja uma carta, um relato, um relatório oficial, etc; é sempre produzida em um contexto especifico e para um publico alvo, constituindo uma narrativa que expressa o ponto de vista daquele produz a fonte, não espelhando necessariamente a realidade dos fatos narrados, a despeito de sua verossimilhança.

Em certa ocasião, Walter Benjamin ressaltou que o passado só se deixa fixar como imagem que relampeja, irreversivelmente, no momento em que é reconhecida, fazendo com que aquele que tenta interpretar as fontes não tenha domínio dos fatos como eles realmente foram.

É este o caso dos trabalhos escritos por não especialistas na área.

Rediscutir os fatos, distanciando-se do objeto de estudo, é uma tarefa do historiador.

Na década de 1960, Jacques Le Goff definiu com precisão este trabalho, afirmando que consistia em estabelecer acontecimentos, bastando aplicar aos documentos um método para fazer os fatos aparecerem.

Assim, em meio às tentativas amadoras de entendimento da participação do Brasil na 2º. Guerra Mundial, os historiadores brasileiros estão ainda devendo uma analise profissional da questão, problematizando os fatos.

Poderia se objetar que a academia vem tentando preencher esta lacuna há alguns anos, porém, uma busca ao banco de dados da CAPES permite notar que as dissertações de mestrado e teses de doutorado tocaram levemente no âmago da questão.

Existem analises pontuais produzidas no interior das universidades brasileiras, totalizando pouco mais de 20 trabalhos, em sua maioria, produzidos após o ano 2000.
Todos, trabalhos de natureza monográfica, uma tendência que dominou o panorama acadêmico brasileiro a partir da década de 1990, em detrimento dos trabalhos de fôlego anteriormente levados a termo nos centros de pós-graduação brasileiros.

Não obstante, é verdade que no âmbito da história das relações internacionais, o avanço na estruturação de narrativas sobre a participação brasileira foi mais intenso na última década, quando foi publicada a obra O Brasil vai a guerra de Ricardo Seitenfus.

No entanto, estas obras representam também a opção por uma analise pontual, englobando no máximo a esfera diplomática e política, deixando de fora as questões sociais, econômicas e culturais.

Por estas razões, consideramos que uma leitura mais ampla do fenômeno ainda esta por ser levada a termo.



Para saber mais sobre o assunto.

ALVES, Vagner Camilo. O Brasil na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Loyola, 2002.

CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz. O Brasil na 2º. Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960.

COSTA, Otávio. Trinta anos depois da volta. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995.

HENRIQUES, Elber de Melo. A FEB doze anos depois. Brasília, Biblioteca do Exercito, s.d.

RIBEIRO, Maria Izabel Branco (coord.). A 2º. Guerra Mundial: o Brasil e Monte Castelo. Por quê? Como? Para que? Memória do Exercito Brasileiro e do jornal do Brasil. São Paulo: MAB-FAAP, 2005.

SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai a guerra: o processo de envolvimento do Brasil na 2º. Guerra Mundial. Porto Alegre: Manole, 2003.

SILVEIRA, Joel. As duas guerras da FEB. Rio de Janeiro: Idade Nova Editora, 1965.

SILVEIRA, Joel. A luta dos pracinhas. Rio de Janeiro: Record, 1993.

SILVEIRA, Joel. O Brasil na 2º. Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Ediouro, 1976.

WAACK, William. As duas fases da glória: a FEB vista por seus aliados e inimigos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.


Texto:

Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.



2 comentários:

Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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