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Mensal entre 13 de agosto de 2010 e 31 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Revolução Francesa foi causada pela fome!

Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 1, Volume ago., Série 18/08, 2010.


A Revolução Francesa foi um longo processo que teve como marco uma grande seca e fome generalizada, fatores que conduziram e se somaram a outros, fazendo a população urbana de Paris se revoltar contra o rei, espalhando a revolta entre os camponeses no campo e criando um ódio generalizado pela nobreza.


A burguesia, temendo engrossar a lista de desafetos da população mais humilde, acabou tomando a frente, transformando o que era uma revolução puramente popular em burguesa.

A conseqüência foi um período instabilidade política e social, que terminou com a execução do rei e da nobreza, descambando em uma constante alternância no poder de segmentos da burguesia que executavam sempre seus antecessores, ou seja, burgueses começaram também a ser executados.

Em meio ao caos, um jovem general, Napoleão Bonaparte, sendo muito popular entre a população urbana de Paris e entre os soldados do exército, habilmente tomou o poder e, posteriormente, tornou-se imperador da França, estabelecendo uma nova nobreza, criado artificialmente, a dominar o país.

Em termos do derrubada da monarquia absolutista, a França voltou à estaca zero.


Antecedentes.

Depois de um período conturbado envolvendo a formação do Estado nacional francês, subiu ao poder, nomeado pelo rei, o cardeal Richeleieu. O momento era de puro antagonismo estamental entre a nobreza e a burguesia.

Cabe lembrar que antes da Revolução Industrial fortalecer o sistema capitalista, não existiam classes sociais, um conceito que implica em poder de consumo. Estamental diz respeito também a posição social, mas está a outros fatores, tal como o nascimento, o nível de escolaridade, a função exercida, etc.

Na época, o rei era um monarca absolutista, consagrado por Deus, ninguém poderia contestar suas decisões e mudar as leis era sua prerrogativa.

O ministro do rei da França, Luís XIII, era justamente o cardeal Richelieu, imortalizado no romance Os três mosqueteiros de Alexandre Dumas, onde ele é o vilão da história.

Richelieu organizou um forte aparelho burocrático, responsável pelo arrecadamento de impostos, possibilitando a manutenção de um poderoso exército terrestre e a nomeação do funcionalismo publico.

Isto fez ascender uma burguesia togada que deu vazão a uma parte considerável das aspirações sociais da categoria, criando uma certa mobilidade social entre os burguese e, portanto, não tornando necessário a burguesia se revoltar contra o rei.

As reformas de Richelieu possibilitaram a consolidação do absolutismo francês, permitindo, posteriormente, após a regência da rainha mãe Ana da Áustria e do cardeal Mazzarino, que um grande volume monetário fosse empregado na fabricação da imagem pública de Luís XIV (1661-1715).

O rei foi transformado em uma criatura dotada de poderes divinos, marcando o apogeu da monarquia francesa, sintetizada pela célebre frase proferida pelo alcunha pela qual Luís XIV passou a ser conhecido, o rei Sol: “O Estado sou eu”.

O governo de Luís XIV, marcado pela consolidação do sistema westfaliano, um acordo de paz estabelecido na Alemanha, foi caracterizado pelo afastamento dos ministros permanentes e do conselho (abarcando o chanceler, o diretor de finanças, e os secretários de Estado – da Guerra, da Marinha, da Casa Real e dos Assuntos Estrangeiros).


O rei acumulou todas as funções. Tomando como uma das primeiras medidas, o envolvimento da França em conflitos contra a Holanda e Espanha.

No entanto, mantendo a França caracteristicamente agrária, contraditoriamente, Luís XIV entregou a administração do comércio do reino a Jean Baptiste Colbert.

Este sujeito procurou desenvolver manufaturas, protegidas da concorrência por leis alfandegárias, contratando trabalhadores especializados no estrangeiro por altos salários; incentivando a navegação e a colonização francesa das Antilhas, no Novo Mundo, investindo na produção açucareira e no tráfico de escravos.

Os gastos com a criação de um sistema mercantilista francês por Colbert, somados a manutenção de uma Corte luxuosa e um exercito numeroso, conduziu a França a um enorme déficit público, coberto com a exploração dos camponeses e pilhagens efetivadas a partir das guerras no exterior.

Para centralizar o poder e controlar a nobreza, o rei abrigou 10 mil nobres no palácio de Versalhes, a 20 km de Paris, onde viviam de forma extremamente luxuosa, recebendo, de Luís XIV, terras, isenção de impostos e cargos públicos para si e seus dependentes.

A conjuntura criou uma situação insustentável, agravada após a morte de Luís XIV. Seu sucessor, Luís XV, herdou um país marcado por contradições que conduziriam a Revolução Francesa e a época Napoleônica, reconfigurando as relações internacionais e o mapa da Europa, levando a falência da paz de Westfália.

O novo rei resolveu utilizando como estratégia para cobrir o déficit público, a solução simplista de aumentar os impostos cobrados dos homens do campo e da baixa burguesia, já que a possibilidade de pilhagem através das guerras se esgotava.


Um episódio mítico e emblemático, narra que, na ocasião da morte de Luís XV, o monarca teria proferido em seu leito de morte: “depois de mim, o dilúvio”, referindo-se a péssima situação em que deixava a França que seria herdada por Luís XVI.

Entretanto, antes de prosseguir, é interessante notar que, a despeito do conceito de revolução implicar na ideia de mudanças bruscas, pragmaticamente, a análise histórica braudeliana permite notar que qualquer alteração da conjuntura é sempre gradual, com raízes distantes do fato em perspectiva.

Assim, o entendimento das implicações internacionais envolvendo a Revolução Francesa, obviamente, passa pela análise de seus antecedentes.




O contexto.

Quando Luís XVI foi coroado, em 1774, assumiu o trono de uma França cerceada pelo inicio da hegemonia inglesa, com uma burguesia fortalecida pelas reformas de Colbert, mas que aspirava maior poder político e equiparação aos privilégios da nobreza; simultaneamente, com camponeses insatisfeitos com as altas taxas cobradas para manter o conforto dos nobres, tentando libertar-se das obrigações feudais ainda em voga.

A França desta época tinha aproximadamente 25 milhões de habitantes, dos quais 20 milhões viviam na zona rural nas piores condições imaginadas; enquanto 120 mil religiosos do alto clero (cardeais, bispos e abades), junto com 350 mil nobres eram mantidos por pensões reais e pela ocupação de cargos públicos.


Isto, a despeito de uma parcela significativa da burguesia também ocupar posições de destaque no funcionalismo público, embora fossem compradas por banqueiros, financistas e advogados – representando mais a possibilidade de prestigio social do que de renda.


Nas cidades, internamente, as manufaturas reproduziam as tensões sociais, com uma minoria de burgueses abastados vivendo luxuosamente, ao custo da exploração de aprendizes e jornaleiros (contratados por jornada diária), os quais eram cerca de 200 a 600 mil pessoas.

Surgiam conflitos resolvidos como o célebre episódio do massacre dos gatos, na rua Saint-Séverin, em Paris, no final da década de 1730, quando, sabendo do amor fraternal da esposa do patrão por gatos, os operários de uma tipografia vingaram-se dos maus tratos do mestre, divertindo-se, caçando gatos para julgar e executar, pelos meios mais cruéis (enforcamento, esfolamento, empalamento, etc), como se os gatos fossem ricos burgueses.

Para piorar a situação, a partir de 1786, o nascente processo de industrialização francês entrou em crise, principalmente, por conta de um tratado comercial com os ingleses, pelo qual os produtos agrícolas franceses passavam a gozar de isenção alfandegária na Grã-Bretanha, em troca da equivalente isenção para os produtos industrializados ingleses na França.

O acordo condenou centenas de operários a vagarem desempregados pelas ruas dos centros urbanos a mendigarem e buscarem sustento na criminalidade, sobretudo na capital da França, a cidade de Paris.
Em 1788, a natureza contribuiu para agravar ainda mais o quadro e criar o que realmente motivaria a Revolução Francesa: uma grande seca diminuiu a produção agrícola, fazendo os preços dos alimentos dispararem, ampliando a miséria nas cidades e levando a fome também para a zona rural.

Manifestações populares passaram a exigir providências, mas o tesouro real estava desfalcado pelo déficit iniciado no governo de Luís XIV, ampliado pelos gastos com o apoio francês a independência dos Estados Unidos da América, estimados em 2 bilhões de libras, fornecido como forma de abalar o poder inglês.

Tudo em um momento em que, seguindo o estimulo fornecido pelo iluminismo, grassava na Europa o despotismo esclarecido, quando os príncipes passaram a utilizar filósofos liberais em favor do fortalecimento do absolutismo. Tal como procedeu Frederico II da Prússia, Catarina II da Rússia e D. José de Portugal.

O que levou Luís XVI a buscar solucionar a questão do déficit nomeando Tugot, um liberal pertencente ao grupo dos economistas fisiocratas, como ministro da Fazenda.

Em concordância com a tendência fisiocrata, segundo a qual toda riqueza seria oriunda dos recursos naturais, Tugot implementou uma série de reformas que tentavam acabar com os resquícios medievais, propondo a abolição das corporações de ofícios, dos direitos alfandegários internos e da corvéia, o trabalho compulsório e gratuito dos servos nas terras do senhor.

Ele propôs ainda que o clero e a nobreza passassem a pagar impostos. Obviamente, as reformas de Tugot não foram bem recebidas pela burguesia e a alta nobreza, culminando com sua demissão.

Em 1787, o rei nomeou Calonne como novo ministro da Fazenda, o qual, enxergando, como seu antecessor, a cobrança de impostos da nobreza e do clero como única saída para cobrir o déficit público, imediatamente convocou a Assembléia dos Notáveis, uma reunião onde nobres e clérigos de alta posição se juntavam em torno do rei para discutir idéias e aconselhar o rei, a quem cabia a última palavra.

Calonne conclamou nobres e clérigos a abdicar de seus privilégios em nome do saneamento da economia do Estado. A proposta, obviamente foi recusada, incitaram revoltas e protestos nas províncias em que os nobres e clérigos participantes da Assembléia tinham influencia e onde povo passava fome, sem ter como conseguir alimentos em lugar algum.

Mais uma vez o ministro da Fazenda caiu, enquanto a situação nas ruas se agravava, avolumando-se protestos violentos contra o rei e as péssimas condições de vida, criando um ambiente de permanente tensão e convulsão social, reprimido através do uso do exército como elemento policial e de prisões políticas, com encarceramentos na famosa Bastilha.

Diante da situação, em 1789, o novo ministro, Necker, apoiado pela nobreza, que então começava a sentir os reflexos dos protestos que havia incitado, convenceu o rei a convocar a Assembléia dos Estados Gerais.

A Assembléia era uma reunião que tinha como função aconselhar o rei, sendo composta pela nobreza, o clero e do povo, o detalhe é que o povo só tinha como representantes elementos da alta nobreza.

A última vez que a Assembléia havia se reunido havia sido em 1614, quando ficou estabelecido que a instituição iria funcionar como uma espécie de parlamento provisório, com membros eleitos para solucionar questões especificas, no caso, o problema do déficit público.

A intenção era aprovar a cobrança de impostos dos clérigos e nobres, contudo, formado por 300 deputados de cada Estado (1º. nobreza, 2º. clero e 3º. o restante da sociedade), a soma dos votos impossibilitava a aprovação.

Esta era uma condição conhecida desde o momento em que se iniciou a campanha dos candidatos à Assembléia, expressa em panfletos que atacavam a monarquia e ressaltavam os erros do governo, conclamando a população urbana a se sublevar.

Aclamados pelo povo, os deputados do 3º. Estado, ou seja, a alta burguesia, pressionaram o rei ao declararem-se como uma Assembléia independente, culminando com a criação da Assembléia Nacional Constituinte em 9 de julho de 1789.

A nova instituição foi aprovada pela conivência de Luís XVI. O rei, sem saída, tentava ganhar tempo, enquanto mobilizava tropas para conter o movimento. A revolução francesa estava prestes a começar.


O inicio da Revolução Francesa e suas as implicações internacionais.

O desenrolar dos trabalhos da Assembléia Constituinte, em 12 de julho de 1789, conduziu a demissão do ministro da Fazenda, Necker, indiretamente responsável pelo surgimento da mesma, ao convencer o rei a convocar a Assembléia Geral dos Estados.

Este foi o estopim do acirramento das tensões, inspirando a burguesia a iniciar, no dia seguinte, a formação da milícia de Paris, destinada a proteger os deputados constituintes e garantir a continuidade dos trabalhos.

Os milicianos começaram a estocar armas e preparar barricadas pela capital, enquanto, em 14 de julho, a população sublevada tomou a Bastilha em busca de armamentos e munição, já que a fortaleza que servia de prisão política, também era um arsenal.

A burguesia tinha percebido que, ou iniciava a revolução, ou seria varrida por ela junto com a nobreza para fora da França, devido a fome do povo.

A revolta se alastrou para o campo, onde adquiriu uma violência ainda maior, com o saque de algumas propriedades feudais e a invasão de cartórios, seguidas da queima de títulos fundiários de propriedade da nobreza.

O movimento tomou proporções que fugiram ao controle dos deputados constituintes, quando uma onda de boatos, envolvendo o aliciamento de marginais pela nobreza, mobilizados contra a população, gerou o famoso grande medo, uma enorme tensão coletiva responsável pelo acirramento dos ânimos revolucionários.

Nesta ocasião, as massas passaram, generalizadamente, a tomar castelos e mosteiros, assassinando seus habitantes, pilhando e saqueando antes de incendiar o interior das propriedades.

Sentindo-se ameaçada por palavras de ordem de populares revoltosos que pregavam a extinção da propriedade privada, a alta burguesia que controlava a Assembléia Constituinte tentou conter o movimento revolucionário que se alastrava.

Aprovou a abolição dos direitos feudais da nobreza e da Igreja, propondo a compensação através de recursos monetários a serem pagos em prazos e condições que seriam estabelecidas posteriormente.

Além disto, estabeleceu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento que defendia a liberdade e igualdade perante a lei, o direito a propriedade e a resistir à opressão.

O rei se recusou a aprovar a declaração, despertando o ódio da massa parisiense que, nas chamadas jornadas de outubro, invadiu o Palácio de Versalhes, obrigando Luís XVI e a Assembléia Constituinte a se retirarem para o Palácio de Tulherias, em Paris, onde a população poderia exercer pressão direta sobre os trabalhos.

Pressionados, em 1790, os deputados constituintes resolveram solucionar o problema do déficit público, secularizando os bens da Igreja católica, confiscados para servir de lastro à emissão dos assinalados, bônus do Estado, semelhantes ao que hoje é o papel moeda, transformando os padres em funcionários civis da nação.

Nesta altura, enquanto muitos clérigos aceitaram as novas leis, prestando juramento a revolução; assustados, vários elementos da nobreza e do alto clero iniciaram um movimento de fuga para o exterior, constituindo o que na época se convencionou chamar os emigrados.

Estes emigrados ajudariam a formar uma imagem negativa dos acontecimentos na França, causando pânico entre os membros da nobreza e do clero nos países vizinhos, recrutando adeptos em meio a católicos fervorosos estrangeiros, até mesmo entre os camponeses, organizando bandos armados, pensando em instaurar um movimento contra-revolucionário.

Em 1791, quando a agitação começava a se dispersar, o Papa Pio VI condenou a revolução, juntamente em um momento em que as dificuldades econômicas se agravaram e que a Constituição ficou pronta.

Tipicamente burguesa, a Constituição ditava que o rei deveria permanecer no trono, mantido como hereditário, representando o executivo, compartilhando o poder com uma assembléia permanente, formada por deputados eleitos para mandatos de dois anos, através de um sufrágio censitário que garantia direito ao voto somente àqueles que pagassem impostos acima de uma certa quantia, na prática, privilegiando os elementos da burguesia.

Para contentar as massas, a Constituição aboliu os direitos feudais, suprimindo as antigas ordens e privilégios, proclamando a igualdade civil, embora tenha mantido a escravidão nas colônias, descentralizando a administração pública e proibindo a formação de agremiações sindicais representadas pelas corporações de oficio, as quais regulavam salários, sendo, na realidade, não um elemento de controle dos patrões, mas sim um mecanismo de proteção dos trabalhadores assalariados.

Depois de ser obrigado a jurar obedecer e fazer cumprir a Constituição, Luís XVI, que já vinha mantendo contato com outros monarcas absolutistas, conspirando contra a novo ordem, tentou fugir para o exterior para buscar o apoio dos emigrados e organizar uma contra-revolução, mas foi reconhecido e preso, sendo reconduzido ao Palácio de Varennes, onde, estando sob suspeita de traição, passou a ser mantido sob vigilância.

Simbolizando o colapso do Antigo Regime, a contestação do direito divino dos monarcas governarem absolutos, o êxito da revolução na França propagou as idéias iluministas pela Europa.

Estimulou o surgimento de movimentos revolucionários na Holanda, Bélgica e Suíça; despertando manifestações de apoio na Itália, Alemanha, Áustria, Inglaterra e Irlanda; chegando até o Novo Mundo e influenciando a malograda luta pela independência nas colônias portuguesas e espanholas.

O novo governo revolucionário passou a ser visto como uma ameaça no cenário internacional, os déspotas esclarecidos que estavam no poder começaram a abandonar as intenções de reformas, buscando uma reaproximação com a aristocracia e seus ideais.

O equilíbrio do poder na Europa estava sendo reconfigurado pelo surgimento de uma nova ordem política, controlada pela burguesia; forçando absolutistas a se mobilizarem contra a revolução, em agosto de 1791, através da Declaração de Pillnitz, por meio da qual era exigida a restauração da monarquia francesa, o que conduziu a um período de radicalização das mudanças na França.


A radicalização da revolução e a alteração do equilíbrio Internacional do poder.

A promulgação de uma Constituição que procurava conciliar interesses diversos, agradando gregos e troianos, sendo repudiada pela comunidade internacional absolutista, não fez mais que ampliar o clima de instabilidade interna na França.

A unidade inicial que havia mobilizado patriotas contra aristocracia, diante da ameaça de invasão estrangeira contra-revolucionaria, esfacelou-se em uma composição político-partidária complexa; fazendo surgirem facções que passariam a lutar entre si, abrindo espaço para a instalação do governo napoleônico.


A alta burguesia originou o partido girondino, assim nomeado devido ao fato da maior parte de seus membros serem originários da Gironda, região do sul da França, defendendo as posições conquistadas e tentando evitar o aprofundamento das reformas e a ascensão das massas, gozando do apoio do rei.


Este segmento politico, posteriormente, sentaria-se à direita na assembléia da convenção, cunhando o termo direita, cujo significado seria aplicado à concepção política conservadora.

Os burgueses menos abastados agruparam-se no partido jacobino, assim chamado por seus membros se reunirem, inicialmente, no convento de São Jacques, adotando uma postura mais radical, pregando o aprofundamento das reformas, sendo apoiados pela massa popular de Paris.

Estes elementos sentariam-se à esquerda na assembléia, cunhando o termo esquerda, designando, a grosso modo, uma concepção política que exige mudanças mais aprofundadas que, geralmente, beneficiam as massas.

Os elementos que haviam enriquecido recentemente, em geral, aproveitando-se do clima de instabilidade provocado pela revolução, terminaram constituindo o centro, também devido à posição ocupada na assembléia, oscilando entre o apoio a conservação e ao aprofundamento das reformas, sendo chamados pelos seus colegas como o grupo do Pântano, devido à origem de seu enriquecimento nem sempre lícito.

Graças a esta composição, Luís XVI, apoiado por girondinos e deputados do grupo do Pântano, conseguiu vetar as tentativas de radicalização, evitando a deportação dos padres refratários e a convocação de um exército para fazer frente aos inimigos da revolução que começavam a se mobilizar no estrangeiro.

A situação só começou a mudar em 1792, quando a Áustria e a Prússia invadiram a França, apoiando tropas formadas por emigrados; quando a massa, inflamada pelos lideres jacobinos - Marat, Robespierre e Danton - mobilizou rapidamente um exército que fez frente aos contra-revolucionários, passando a propagar os ideais da revolução no exterior, sendo recebido como libertador por onde passou.

No entanto, a tentativa de invasão estrangeira radicalizou a oposição à nobreza, inaugurando uma nova fase na revolução, a massa parisiense invadiu as prisões, iniciando a fase do terror no massacre de setembro, executando os nobres e clérigos encarcerados.

Para conter a onda de violência, uma medida de caráter excepcional foi adotada, o exército nacional foi convocado, com a apresentação obrigatória de todos os homens válidos, formando uma força com 1 milhão de soldados, caracteristicamente marcada pelo entusiasmo e pela presença de jovens oficiais, fazendo do exército francês o melhor da Europa da época.

Pela primeira vez na história, desde a antiguidade, todos os cidadãos eram obrigados a servir o exército. Na Grécia antiga isto também já havia acontecido, mas naquele período nem todos eram considerados cidadãos, haviam os escravos que não faziam parte do contingente. Na França, não importando a posição social, todos passaram a ser considerados cidadãos e obrigados, portanto, a servir o exército, inaugurando um novo conceito em voga na maior parte dos países até hoje.

Seria neste novo exército que um jovem tenente, chamado Napoleão Bonaparte, recém graduado na escola militar, iniciaria sua carreira, tornando-se general com apenas 25 anos de idade.

Restabelecida a ordem, os acontecimentos precipitaram a proclamação da República, ocasião em que o rei foi julgado e executado, ao passo que Marat propôs criar o Comitê da Salvação Pública, ao qual foram concedidos poderes extraordinários para conter movimentos contra-revolucionários, sob a liderança de Robespierre, pertencente a uma facção radical dos jacobinos, chamada como montanheses.

Os montanheses eram assim chamados por sentarem-se mais acima na Assembléia, sendo a ala radical dos radicais.

A primeira medida do comitê foi iniciar o trabalho executando os opositores da medida que criou seus poderes extraordinários, todos pertencentes ao partido girondino, somando julgamentos sumários, seguidos da decapitação pela guilhotina que, após o assassinato de Marat, fato que acirrou o regime do terror, somente no ano de 1793, totalizam 17 mil execuções.

A guilhotina, um aparelho constituído por uma grande armação reta, com aproximadamente 4 metros de altura, na qual era suspensa uma lâmina triangular pesada que tinha a função de decapitar rapidamente o condenado, tinha sido aprimorada pelo médico e deputado Joseph-Ignace Guillotin, com a intenção de tornar as execuções mais humanas, já que o enforcamento ou a decapitação pelo machado podia ser um método doloroso e demorado. Curiosamente, o doutor Guillotin terminou sendo executado pelo seu próprio invento, o qual permaneceu na ativa na França até 1977.

Sob a ameaça da guilhotina, a jovem república estabeleceu o sufrágio universal masculino e a democratização das oportunidades através do acesso gratuito a educação.

O divórcio, antes proibido e condenado pela Igreja católica, foi legalizado. A escravidão nas colônias foi abolida, assim como a prisão por dividas e a lei da Primogenitura, por meio da qual apenas o filho mais velho herdava os bens da família.

Para resolver o problema da pobreza e da fome, os republicanos realizaram uma reforma agrária com terras do clero e da nobreza, fazendo surgirem 3 milhões de pequenos proprietários.

Para sinalizar que novos tempos haviam se iniciado, os revolucionários instituíram um novo calendário, rompendo com a convenção cristã, passando a considerar 1793, o ano da proclamação da República, como primeiro ano deste novo calendário.

Os meses do calendário também foram alterados, passando a possuir uma vinculação com situações da natureza, tal como, por exemplo, o brumário, parte do antigo mês de novembro, referindo-se ao tempo em que a Europa se cobre de brumas (nevoeiros), ou ainda o termidor, o auge do calor, correspondendo à parte de julho.

Diante destes fatos, a Inglaterra e a Espanha uniram-se em uma coligação de forças que se juntou aos países do Sacro Império Romano-Germânico contra a França revolucionária.

O equilíbrio westfaliano do poder havia sido rompido pelo surgimento de uma força ideológica que seduzia as massas dos países absolutistas, obrigando-os a tomarem providencias para restabelecer a ordem.

Não obstante, ao contrário do que poderia ser imaginado, a guerra tornou o exército francês, vitória após vitória, extremamente popular perante as massas, ao mesmo tempo em que os poderes ditatoriais de Robespierre começaram a tornar os jacobinos temidos e odiados pelo povo.

Foi inaugurada uma fase de transição que conduziria a época Napoleônica e a um novo equilíbrio hegemônico na Europa.


A transição para o governo de Napoleão Bonaparte.

A regime do terror atingiu seu auge em 1794, quando o Tribunal Revolucionário iniciou o procedimento de prender qualquer suspeito, chegando a deter 300 mil pessoas, executando os prisioneiros sumariamente, mesmo quando não havia prova alguma de práticas contra-revolucionárias.

Momento em que Robespierre aprofundou a tática de eliminação de seus inimigos, perseguindo as facções mais a esquerda de seu próprio partido.

Temendo sofrer o mesmo destino dos executados, surgiu uma nova tendência interna no seio jacobino, originando os indulgentes, liderados por Danton, pretendendo colocar um fim no regime do terror.

Neste momento, os girondinos, que haviam se refugiado longe da política para evitar a guilhotina, voltaram à cena, apoiando o golpe do 9 Termidor (assim chamado por ter sido impetrado em julho, o mês termidor do novo calendário, no seu nono dia).

Os golpistas prenderam Robespierre, como apoio da população de Paris, perseguindo seus seguidores e condenando todos a guilhotina junto com seu líder.

Aproveitando-se do enfraquecimento dos jacobinos, os partidários do Pântano, dotados de senso de oportunismo e não possuindo escrúpulos ideológicos, iniciaram a chamada Reação Termidoriana, tomando o poder, fato caracterizado por parte da historiografia do período como fim da Revolução Francesa.

Os novos donos do poder, apoiados pelo exército e pelos girondinos, revogaram a lei da educação gratuita e a abolição da escravatura nas colônias, até porque muitos de seus membros possuíam propriedades movidas a escravos no Novo Mundo, fechando os redutos jacobinos, propondo uma nova Assembléia Constituinte.

Em 1795, a nova Constituição, a quarta em cinco anos, estabeleceu medidas conservadoras, no sentido de estabilizar a ordem social, criando um poder executivo composto pelo chamado Diretório, cinco diretores indicados pelo legislativo, o qual passou novamente a ser eleito por voto censitário, permitindo o sufrágio apenas para os alfabetizados, na época apenas uma minoria pertencente às elites.

O novo panorama alterou também a disposição política: os girondinos passaram a constituir o centro; ao passo que os defensores do restabelecimento da monarquia, em geral clérigos e nobres, agregados no partido realista, passaram a representar a direita; enquanto a esquerda passou a ser representada pelos jacobinos e por uma nova tendência ideológica que ganharia força nos séculos posteriores: o socialismo utópico.

Primitivamente a tendência socialista tinha sido desenvolvida pelo inglês Thomas More no século XVI, em sua obra Utopia, onde ele imaginou uma sociedade perfeita, baseada na igualdade e fraternidade, construindo uma crítica sobre a realidade inglesa da época.

O conceito foi ampliado pelos contemporâneos da Revolução Francesa, especialmente pelo conde de Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc e Robert Owen. Para os quais a sociedade do futuro deveria, além de igualitária, ser liderada por artistas, cientistas e industriais, não obstante, chamados de utópicos pelos seus opositores por defenderem os princípios de uma sociedade ideal sem indicar os meios para alcançá-la.

Por conta da defesa destas novas idéias pela nascente esquerda francesa, apesar das reformas conservadoras, fato somado ao sucesso das campanhas do exército revolucionário, a França continuou sendo vista como uma ameaça pelos Estados Nacionais Absolutistas, fazendo a guerra prosseguir na exterior.

Internamente, o diretório passou a se equilibrar entre tentativas de golpe da esquerda e da direita.

Em 1795, os realistas iniciaram uma conspiração para tentar restabelecer a monarquia, iniciando um golpe que pretendia assassinar todos os membros do diretório, defendidos então pelo jovem general Napoleão Bonaparte, o qual, como recompensa, recebeu o comando de todos os exércitos na Itália.

Em 1796, uma conspiração jacobina do Clube de Atenas, chegou a derrubou o governo na Conjura dos Iguais, uma facção socialista precursora das idéias comunistas do século XIX, mas o diretório terminou sendo restabelecido.

No mesmo ano, os realistas tentaram um novo golpe, sendo impedidos por tropas, comandadas pelo general Augereau, enviado de Napoleão que tinha acabado de assinar uma vantajosa paz com a Áustria.

O diretório tornava-se cada vez mais impopular, devido às denuncias de corrupção e escândalos, enquanto a inflação minava o custo de vida da população, quando novas eleições ocorreram em 1798, elevando os jacobinos novamente ao poder.

A alta burguesia, assustada e receosa que uma nova onde terror se iniciasse, resolveu colocar no poder o general Napoleão Bonaparte, começando a tramar um golpe de Estado.

Tendo conduzido campanhas vitoriosas na Itália e contra ingleses e turcos no Egito, Bonaparte era então a figura mais popular do exército, endeusado pelos jornais e com seus heróicos feitos comentados de boca em boca pelas ruas de Paris, a escolha perfeita da burguesia para pacificar a França.

Em 9 de novembro de 1799, Napoleão Bonaparte chefiou um golpe que ficou conhecido como 18 Brumário, comandando tropas sediadas em Paris, dissolveu o legislativo e assumindo os poderes que antes cabiam ao diretório, convocando um plebiscito para referendar sua posição como cônsul da República, com poderes ilimitados, contando com a aprovação de 3 milhões de votos, em sua maioria pertencentes às classes médias urbanas e a média e a alta burguesia, em um contexto que, cabe lembrar, somente os alfabetizados tinham direito ao sufrágio.

Iniciava-se a época Napoleônica, vista por alguns historiadores como desdobramento e continuidade da Revolução Francesa, enquanto outros teóricos a enxergam como uma ruptura.


O inicio da Época Napoleônica e seus desdobramentos.

Napoleão tinha nascido na Córsega, em meio a uma família empobrecida da pequena nobreza local, mas, criado em um colégio militar, representava os interesses da alta burguesia francesa, desejosa pelo estabelecimento da paz interna impetrada por um governo forte que estabelecesse novamente a lei e a ordem na França, anteriormente garantida pelo regime absolutista.

Quando havia tomado a frente das massas na revolução, os burgueses mais abastados não tencionavam que as reformas fossem muito profundas, queriam, na realidade, derrubar as leis que atravancavam o progresso do comércio, compondo uma nova nobreza ascendida pelo mérito financeiro, tencionando apoiar o absolutismo como forma de manter as massas sobre controle.

A revolução tinha tomado seu próprio rumo, com desdobramentos que não eram imaginados pela sua liderança inicial, a massa havia radicalizado sua participação, criando uma ideologia reformista que começou a prejudicar os interesses da alta burguesia, a qual, diante da ameaça, apoio às ambições do jovem general Bonaparte.

Inicialmente, a Constituição napoleônica confirmou os poderes supremos do Consulado, confiando a três representantes nomeados por um período de dez anos, criando quatro assembleias: o Conselho de Estado, imbuído da prerrogativa de propor novas leis; o Tribunato, que as discutia e aprimorava; o Legislativo, o qual aprovava ou rejeitava as leis propostas e discutidas; e o Senado, responsável pela execução e aprovação das leis e pela indicação do Consulado.

Na prática, apenas o 1º. cônsul governava, podendo propor e promulgar leis, nomeando ministros, oficiais do exército, juízes e demais funcionários públicos, cargo ocupado por Napoleão Bonaparte.

O cônsul fez valer seus poderes, reorganizou o Estado, descentralizando a administração de modo a fortalecer o poder da alta burguesia, dividindo a França em departamentos, cada qual governado por um prefeito de sua confiança.

Para incentivar o incremento do comércio, o cônsul adotou uma prática da época do Império Romano, construiu estradas por toda a França, visando escoar a produção das manufaturas e facilitar o transporte de matéria-prima até os centros produtores, mas, igualmente, pensando em facilitar o deslocamento de tropas e o apoio logístico ao exército em campanha.

Para manter a massa sobre controle, Napoleão ratificou o confisco de bens da Igreja, reconhecendo o direito às propriedades distribuídas pela reforma agrária.

Os camponeses beneficiados, antes vivendo sempre sob o medo de perder suas terras, passaram a idolatrar o Cônsul. Uma outra medida popular foi reorganizar o sistema educacional, concebido como forma de acesso ao funcionalismo público.

Em 1801, Napoleão buscou uma reaproximação com a Igreja Católica, estabelecendo um acordo com o Papa, por meio do qual o Vaticano aceitava e ratificava o confisco de bens eclesiásticos em troca do Estado passar a não mais interferir no culto, abrindo mão da nomeação de cardeais e bispos, ainda obrigados a prestar juramento a República, mas, a partir de então, novamente escolhidos diretamente pelo Papa.

Entretanto, o 1º. cônsul da República francesa herdou do governo do Diretório a guerra contra a segunda coligação internacional, reunida em uma tentativa de restaurar o absolutismo na França.

Napoleão precisou enfrentar a Inglaterra, unida a Áustria, Prússia e Rússia, mobilizadas, a partir de então, não só contra os ideais revolucionários, muitos dos quais diluídos pelo novo regime francês, mas também contra o expansionismo francês que buscava novos mercados consumidores.

Em 1800, os exércitos napoleônicos penetraram em território austríaco em uma rápida e bem sucedida campanha, forçando a Áustria a assinar um acordo de paz e ceder a Bélgica e grande parte da Itália aos domínios franceses.

Pouco depois, a Rússia assinou um tratado de paz com a França, seguido pela assinatura do tratado de Amiens, em 1802, pondo fim, temporariamente, ao conflito iniciado em 1792, entre a República francesa e os Estados Absolutistas.

Enfraquecidos, os países absolutistas buscavam ganhar tempo para se reorganizarem, em um período em que a França passava a ser vista como a grande rival da Inglaterra no cenário mundial, em pleno processo de formação do capitalismo, modo de produção que moveria guerras pela posse da influencia sobre as zonas produtoras de matéria-prima e pelos mercados consumidores.

Não obstante, o êxito interno e externo de Napoleão, garantido pela instituição de uma policia política, fez com que, em 1802, o consulado se tornasse vitalício, garantindo ao 1º. cônsul o direito de indicar seu sucessor, praticamente restaurando o absolutismo na França.

A policia politica de Napoleão era então chefiada pelo célebre Fouché e famosa pelos seus métodos arbitrários, incluindo a tortura e o assassinato, eliminando elementos de esquerda e de direita.

Napoleão já não escondia seu sonho de construir um Império francês na Europa, acalentado pela elite desde o reinado de Luís XIV, sendo apelidado no estrangeiro como o “novo Robespierre”.

Ele passou a ser visto internacionalmente como um oportunista que ameaçava a velha ordem estabelecida, tanto no sentido da fé em cristo como na amplitude das relações políticas.

As caricaturas alemãs da época retratavam o cônsul como uma figura diabólica ou protegida por ela, demonstrando a natureza do medo que os franceses inspiravam pela Europa.

Em 1803, quando Napoleão iniciava preparativos para a invasão das ilhas britânicas, a Inglaterra reiniciou as hostilidades contra a França, reunindo uma nova coligação de Estados pertencentes ao Sacro Império Romano-Germânico, derrotando a principal esquadra francesa, sob o comando do Almirante Nelson, na batalha de Trafalgar, travada no sul da costa espanhola, garantindo aos ingleses, a partir de então, a supremacia naval mundial e inaugurando uma nova fase nas relações internacionais europeias, marcada pelo equilíbrio de poder entre França e Inglaterra.


A luta da França e da Inglaterra pela hegemonia européia.

O sucesso de Napoleão Bonaparte nos campos de batalha, comandando pessoalmente suas tropas, garantiu uma investidura quase sagrada ao cônsul vitalício da França, conduzindo ao seu coroamento como Imperador em 1804, exigindo um plebiscito que referendou a mudança e uma nova Constituição que restabeleceu alguns privilégios da nobreza.

Napoleão foi consagrado diretamente pelo Papa, formando em torno de si uma corte com a antiga nobreza restituída ao seu esplendor, recolocada nos principais cargos do Estado, em detrimento da burguesia.

As liberdades individuais e políticas, garantidas pela revolução, perderam sua eficácia, deixando de ser respeitadas; a imprensa passou a ser controlada e censurada pela polícia política.

Igualmente, a educação, estendida até a universidade, também passou a ser vigiada, com a reformulação de áreas consideradas perigosas para o novo regime, nomeadamente filosofia e história.

Adotando a tática de tentativa de conciliação de interesses dos diversos estamentos franceses, tendo contentado a nobreza e o clero ao praticamente restaurar o absolutismo, para amenizar o descontentamento de setores da burguesia, Napoleão reformou as leis francesas.

Atendendo uma aspiração da burguesia, existente desde o inicio da revolução, em 1804, Bonaparte publicou um Código Civil, com algumas modificações até hoje em uso, com 2 mil artigos, entre os quais 800 garantiam de diversas formas a inviolabilidade da propriedade privada, proibindo agremiações de trabalhadores e greves, embora garantisse o direito da formação de associações patronais.

Para estimular a industrialização, criou o Banco da França, destinado a financiar este tipo de empreendimento, outorgando a nova instituição o direito de emitir papel moeda com validade e circulação irrestrita, fundando ainda a Sociedade de Fomento da Indústria Nacional.

No campo da política externa, o Imperador aproveitou a iniciativa inglesa de reiniciar a guerra para, em 1805, invadir a Áustria, derrotada, junto com as tropas russas, na batalha de Austerlitz e na Boêmia, estendendo os domínios da França para grande parte da Alemanha, criando a Confederação do Reno, uma associação de pequenos Estados feudais na margem esquerda do rio, substituindo o Sacro Império Romano-Germânico.

No mesmo ano, o Piemonte, na Itália, foi anexado a França. Luiz, irmão de Napoleão, foi coroado rei de Nápoles, seu outro irmão, José, recebeu a Coroa da Holanda.

Enquanto os ingleses tornaram-se imbatíveis nos mares, os franceses passaram a dominar a Europa continental com seu exército terrestre.

A França consolidou sua posição hegemônica em 1806, quando a Prússia encabeçou uma nova coalizão contra os franceses, com a participação da Inglaterra e da Rússia.

Os franceses venceram os prussianos com facilidade, entrando altivos em Berlim, perseguido os russos até a Polônia, em um campo de batalha mais difícil, com lutas travadas em terras pantanosas, sob intenso frio, somado a fome causada pelas dificuldades de abastecimento das tropas, saindo igualmente vitoriosos.

Vencidas, Prússia e Rússia foram obrigadas a assinar um acordo de paz em Tilsit, em 1807, por meio do qual os russos passaram a aliados dos franceses e a Prússia perdeu territórios que formaram o reino de Westfália, entregue ao governo do rei José

Bonaparte, junto com o grão-ducado da Polônia.

No ano seguinte, Napoleão depôs o rei da Espanha, colocando seu irmão José no trono, o que causou uma revolta contra as tropas de ocupação que, através de táticas de guerrilha, custaram à vida de 200 mil soldados franceses.

Como a Grã-Bretanha encontrava-se isolada pelas condições geográficas, gozando da supremacia naval para manter o exército francês longe, Napoleão idealizou um bloqueio econômico, impedindo o continente europeu de comercializar com a Inglaterra.

Portugal recusou-se a participar do Bloqueio Continental, forçando, diante da invasão do país por tropas francesas e espanholas, o rei D. João VI a fugir para o Brasil.

Os portugueses eram tradicional aliados dos ingleses, desde o casamento de Dona Felipa de Lancaster, neta do rei Eduardo III, com D. João I, mestre da ordem militar de Avis, fundador da dinastia.

Destarte, em 1808, o Império Napoleônico chegou ao seu auge, estendendo-se por toda a Europa, fazendo fronteira com a Rússia e o Império Otomano.

Apenas a Inglaterra rivalizava com a França, quando Bonaparte redistribuiu os Estados submetidos ao domínio francês por seus ministros e parentes, recolocados no lugar da nobreza dos territórios conquistados, exigindo que o Papa se integrasse a sua política de renovação do absolutismo.

Em 1809, frente a recusa do Papa, o Imperador invadiu seus Estados, confinando o pontífice ao reino de Savona, perseguindo todos os bispos que tomaram o partido do Papa. Fato que, somado a guerra com os ingleses, à perda da liberdade e do poder pela burguesia francesa, as perseguições policiais, ao restabelecimento de antigos impostos e a decadência do apoio popular a Napoleão, simbolizado pela fuga em massa dos jovens ao serviço militar obrigatório; conduziu ao fim da hegemonia da França, em beneficio da Inglaterra.




O fim do período napoleônico e o inicio da hegemonia inglesa.

O bloqueio continental imposto por Napoleão mostrou-se desastroso para a Europa, privou os paises submetidos ao domínio francês do escoamento da produção manufaturada para o Novo Mundo, bem como impediu o acesso a matéria-prima das Américas, cerceado pela poderosa frota naval inglesa, inaugurando a hegemonia britânica, garantida pelo controle do fluxo naval.

A crise econômica, provocada pelo bloqueio, obrigou o Estado francês a aumentar abusivamente os impostos e obrigações, inclusive sequestrando bens, para manter o exército e seu aparelho burocrático, gerando inúmeras revoltas contra os desmandos do governo imperial, culminando com o fim da aliança entre franceses e russos, em uma tentativa da Rússia de recuperar sua economia.

Neste meio tempo, a Inglaterra, ao invés de ter sido prejudicada pelo bloqueio, só colhia benefícios.


Para além do comércio com suas colônias na América Central e do Norte, a presença de D. João VI no Brasil tinha aberto os portos brasileiros ao comercio direto com a Inglaterra, beneficiada com a abertura de um amplo mercado consumidor de produtos manufaturados a altos valores, por sua vez, fornecedor de produtos agrícolas de baixo custo.

Todavia, ao abandonar o bloqueio continental contra a Inglaterra, em 1812, sob pretexto de retaliar a oposição francesa aos interesses russos na Turquia, a Rússia tornou-se novamente inimiga da França.

Napoleão iniciou a campanha contra a Rússia, invadindo seu território com um exército de 500 mil homens, recrutados em 12 nações diferentes por falta de soldados franceses, cometendo um enorme erro estratégico.

Os russos moveram uma política de terra arrasada contra as tropas imperiais, recuando e queimando tudo ao menor sinal de aproximação do inimigo, vencendo a França pela fome e pelo frio, o qual chegou até 30º. graus celsius abaixo de zero, responsável pela morte de 300 mil soldados imperiais.

Enfraquecida, em 1792, a França terminou vencida por uma coalizão da Rússia, Inglaterra e Prússia; a qual derrotou Napoleão em Leipzig, avançando até Paris, onde Napoleão foi deposto, sendo recolocada no trono a dinastia dos Bourbon, quando Luís XVIII, irmão de Luís XVI, foi empossado e obrigado a aceitar o tratado de Paris.

Napoleão Bonaparte foi exilado na ilha de Elba, de onde fugiu em 1815, tentando retomar o poder em um governo de 100 dias, somente para ser novamente derrotado em Waterloo, na Bélgica. Posteriormente, foi aprisionado na ilha de Santa Helena, onde morreria em 1821.

Neste meio tempo, Luís XVIII restaurou os privilégios do clero e da nobreza, mas foi obrigado a aceitar alguns avanços implantados pela Revolução Francesa.


A Inglaterra emergiu como a grande potencia hegemônica mundial, passando a controlar o comercio colonial, compartilhando o equilíbrio do poder na Europa com a Rússia, Prússia e Áustria.


No entanto, restava ainda aos ingleses consolidar seu papel no cenário internacional através de sua participação no Congresso de Viena, em 1815. Mas esta já é outra história.


Para saber mais sobre o assunto:

BURKE, Peter. A fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

DARNTON, Robert. O Grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

DARNTON, Robert. O lado oculto da revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

LEFEBVRE, G. 1789: o surgimento da revolução francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

MICHELET, Jules. História da Revolução Francesa: da queda da Bastilha à Festa da Federação. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


Texto:
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em Ciências Humanas - USP.
MBA em Gestão de Pessoas - UNIA.
Licenciado em Filosofia - FE/USP.
Bacharel em Filosofia - FFLCH/USP.





 

12 comentários:

  1. Fábio,

    A oposição da Inglaterra à França napoleônica na verdade é coerente com aquilo que foi o eixo central da política externa inglesa por quase 500 anos, estendendo-se até a 1a e 2a guerra mundiais no século XX. O objetivo primordial da Inglaterra, como uma nação localizada numa ilha, era garantir o domínio do mar, protegendo assim seu território e suas colônias de possíveis invasões e mantendo abertas/seguras suas linhas vitais de comércio, ao mesmo tempo que, na Europa continental, os ingleses procuravam evitar que surgisse uma única potência terrestre hegemônica com poder ou influência desproporcionais.

    Como a Inglaterra tinha uma marinha grande, mas um exército pequeno, para atingir o segundo objetivo acima, os ingleses dependiam de alianças com diferentes potências continentais a quem davam ajuda financeira, apoio naval e, ocasionalmente, modesto suporte terrestre com o envio para o continente de forças expedicionárias pequenas, mas em geral altamente profissionais. No caso das guerras napoleônicas, isso significou aliar-se principalmente à Áustria, Prússia e Rússia contra a França, que era o país a ser "contido".

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  2. Inicialmente, entretanto, a estratégia inglesa teve sucesso apenas parcial. As sucessivas vitórias navais inglesas, sobretudo em Trafalgar, garantiram o primeiro objetivo de domínio do mar tornando inviável uma invasão francesa das ilhas britânicas. No continente, porém, as sucessivas vitórias militares de Napoleão (contra a Áustria e Rússia em 1805; Prússia e Rússia em 1806/1807; e novamente a Áustria em 1809) implodiram o sistema de alianças forçando os aliados preferenciais da Inglaterra a uma "paz forçada" com a França, enquanto ao seu redor, a França napoleônica criava um escudo de estados-satélites sob seu controle direto ou indireto, como os Países Baixos, a Alemanha Ocidental e a Itália.

    Não cabe aqui discutir os erros estratégicos de Napoleão que reverteriam essa situação originalmente favorável a ele, mas basta dizer que a tentativa napoleônica de sufocar economicamente a Inglaterra com o Bloqueio Continental, insuportável para Portugal e depois para a Rússia, acabou sendo o princípio do fim, pois envolveu a França em duas campanhas militares que a desgastaram profundamente: primeiro, a invasão de Portugal e da Espanha em 1808, que acabou se convertendo em uma guerra contínua de 6 anos contra guerrilheiros espanhóis e ingleses na Península Ibérica; e, segundo, e mais importante do que tudo, a invasão desastrada da Rússia em 1812 que dizimou o exército francês. O fracasso de Napoleão na Rússia em particular permitiu à Inglaterra reconstruir seu sistema de alianças continentais, encorajando a Áustria e a Prússia a se unirem novamente aos ingleses, russos e suecos e derrotarem o que restavas das forças armadas francesas na Alemanha, invadindo a própria França e mandando Napoleão para o exílio em Elba.

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  3. Fábio,

    Um segundo comentário que eu gostaria de fazer refere-se à caracterização comum no Brasil de Napoleão como um "campeão" dos ideias igualitários da Revolução Francesa em oposição às monarquias autocráticas da Europa identificadas com a contrarrevolução. Ao meu ver, essa é uma concepção distorcida.

    Primeiro, deve-se examinar o maior inimigo de Napoleão, no caso a Inglaterra. A Inglaterra do início do século XIX certamente não era uma autocracia como a Rússia, a Áustria ou a França pré-revolucionária no sentido que o poder político já tinha sido transferido do Rei para o Parlamento, que votava as leis e os impostos, controlava as Forças Armadas e formava o ministério (governo civil).

    A Inglaterra, entretanto, não era tampouco uma democracia. O poder no Parlamento se dividia entre a nobreza hereditária (grandes proprietários) representada na Câmara dos Lordes e uma Câmara dos Comuns plutocrática eleita por uma parcela muito pequena da população uma vez que o direito de voto era altamente restrito por critérios de renda e propriedade e havia grupos como católicos e mulheres por exemplo que eram simplesmente excluídos.

    O governo inglês da era georgiana era portanto representativo, mas oligárquico. As garantias individuais (proteção contra detenção arbitrária e autoincriminação, julgamento por júri, Habeas Corpus, etc.) e as liberdades civis (de imprensa, expressão, etc.) eram entretanto geralmente preservadas na tradição do direito comum inglês, excetuando-se notoriamente a liberdade religiosa, pelo menos antes da emancipação dos católicos e judeus, que seria posterior à era napoleônica. De qualquer forma, não se pode dizer que a Inglaterra fosse "reacionária" ou identificada com a "contrarrevolução". Ao contrário, sob muitos aspectos, inclusive do ponto de vista econômico com a Revolução Industrial, era provavelmente um dos países mais progressistas da Europa.

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  4. Por outro lado, a imagem de Napoleão como um suposto "progressista" é altamente discutível. É verdade que seu governo consolidou a eliminação das estruturas feudais anteriores à Revolução Francesa, por exemplo com o código civil, a reorganização da educação pública, etc. Mas, progressivamente, do golpe de Brumário ao Consulado e depois ao Império, Napoleão gradualmente se converteu "de facto" num ditador contrariando assim os ideias revolucionários que ele supostamente representaria.

    Nos países vizinhos da França (Itália, Suíça, Países Baixos, Alemanha), Napoleão originalmente encorajou o surgimento de regimes progressistas inspirados no modelo revolucionário francês e introduziu muitos dos avanços do direito civil pós-revolução, mas eventualmente esses países foram convertidos em estados-fantoches, muitas vezes transformados em "monarquias" pessoais distribuídas a parentes ou generais de Napoleão (Holanda, Espanha, Westfália, Nápoles/Sicília) ou, eventualmente/alternativamente, anexadas diretamente como departamentos do império francês.

    À medida que o tempo passava, parecia claro que as ambições pessoais e territoriais de Napoleão eram realmente o que dirigia sua política e não a suposta exportação dos ideias da revolução. Pessoalmente, não consigo como muitos brasileiros ver as guerras napolêonicas como um conflito "ideológico" (democracia x autocracia) ou "conflito de classe" (burguesia x nobreza) no estilo da Guerra Fria entre EUA e URSS no século XX por exemplo. Parece-me uma interpretação forçada.

    Na Inglaterra na verdade, Napoleão é visto até hoje como um tirano comparável apenas a Hitler. Não é à toa que em Londres haja por exemplo um estátua de Nelson na "Trafalgar Square", uma "Waterloo Station", um "Wellington Arch" e outros monumentos que celebram vitórias sobre Napoleão. Na França, porém, Napoleão ainda é visto em grande medida como um herói, ainda que seu regime tenha em última análise sido desatroso para os franceses, deixando como legado uma economia arrasada, a perda de quase tudo que restava das colônias francesas, e centenas de milhares de mortos espalhados pela Europa em mais de 15 anos de guerra praticamente contínua.

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  5. Marcelo, parabéns pelos comentários, vc escreve bem e o conteúdo é altamente pertinente.
    Concordo plenamente com todas as observações.
    Aproveito o espaço para convidar a escrever um artigo sobre as questões colocadas, daria um texto interessante.
    Fico aguardando a colaboração.
    Forte Abraço.

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  6. Esta muito bem, mas poderia colocar A Grande seca de 1785

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  7. Gostaria de tirar uma dúvida quanto a data de 1977 sendo o ano em que a França ainda utilizava a guilhotina. MUITO OBRIGADO.

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  8. A guilhotina foi usada pela ultima vez na França em 10 de setembro de 1977, quando um criminoso foi executado em Marselha. Embora a pena de morte só tenha sido extinta em 1981 na França.

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  9. Olá Prof. Fábio,

    obrigada pelo texto! Gostaria de saber se você dispões de informações sobre as imagens que você usou. Gostaria de saber de quem são. :)

    Grata
    Mariana

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  10. Agradeço as palavras gentis, as imagens pertecem ao google imagens. Ao realizar a busca usando termo "revolução francesa" irão aparecer.

    Forte Abraço.

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  11. Gostaria de saber quais as implicações políticas que a Revolução Francesa causou na consolidação do conceito de cidadania no Brasil.

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  12. Gostaria de saber, como Napoleão Bonaparte é inserido na Era do Terror de Robespierre.

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Esteja a vontade para debater ideias e sugerir novos temas.
Forte abraço.
Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.

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